sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O caso Liliana

De seis em seis meses há O CASO. E graças a O CASO, durante um par de semanas o país inteiro indigna-se, ou comove-se, ou faz as duas coisas ao mesmo tempo, as pessoas descobrem que existem tribunais de família e crianças e pobres e filhos que são afastados dos pais, os responsáveis políticos põem ar sério e mostram-se preocupados, novas leis são prometidas, e passados 15 dias já ninguém se lembra, até porque vem aí um jogo do Benfica com o Braga.

O último O CASO chama-se "Liliana". Liliana Melo, 34 anos, 10 filhos e cara escarrapachada em tudo o que é jornal, é a mais recente senhora a ser alegadamente alvo de uma injustiça por parte do Estado. Motivo? O tribunal ordenou a retirada das sete crianças mais novas e a sua entrega para adopção, e lá pelo meio do processo falou numa laqueação de trompas que demorava a ser levada a cabo por Liliana.

Os jornais e as televisões encheram-se de notícias; Liliana Melo foi fotografada 20 vezes rodeada de 30 peluches; a Associação Nacional de Famílias Numerosas decidiu perguntar se laquear trompas era uma nova política do governo; um senhor voluntarioso criou de imediato um grupo no Facebook intitulado Mãe fica sem 7 filhos por recusar laqueação de trompas; Isabel Moreira, sempre com o indignómetro no vermelho, foi fazer perguntas a Pedro Mota Soares; os políticos foram acusados de não quererem que os pobres tenham filhos; a sirene tocou na Procuradoria-Geral da República; Henrique Monteiro escreveu um texto com cinco pontos de exclamação e citou 1984 e Admirável Mundo Novo; Daniel Oliveira comparou Portugal à China; nos blogues levantaram-se suspeitas de racismo e afirmou-se que o Estado andava a raptar menores; e eu pelo caminho comecei a despejar frascos de sais de fruto para o bucho a ver se conseguia aguentar tanta palermice junta.

Não, não quero estar aqui a defender o Estado, nem os tribunais. Que podem até ter errado aqui, como já erraram noutros lados. O que eu desconfio - e desconfio mesmo - é que tanta gente (CPCJ, procuradores, juízes) tenham errado de forma tão primária como dizem. Não quero pôr as mãos no fogo por ninguém. O que eu quero é uma coisa muito mais simples, mas aparentemente muito complexa: quero a modéstia de não tratar casos destes como se estivéssemos a falar de bola no café e a chamar nomes ao árbitro.

Quero que questões com tamanha seriedade não sejam transformadas em campo de batalha de interesses instalados, sejam os da direita (então agora as pessoas já não podem ter os filhos que querem?), sejam os da esquerda (então agora os pobres já não podem ter filhos?). Quero que se não reduza as obrigações de uma mãe para com um filho a não lhe bater (como se fosse aceitável o raciocínio: se não há maus tratos, se a mãe gosta dos filhos e os filhos gostam da mãe, então onde é que está o problema?). Quero que se fale da laqueação de trompas assumindo toda a complexidade do problema, até porque há casos em que ela é admitida por parte do Estado.

Quero que não se caricaturize aquilo que merece ser tratado com o maior cuidado do mundo. Quero que cada um exija à comunicação social que nos dê todos os elementos que nos permitam construir uma opinião sustentada, em vez de nos pormos a papaguear a habitual cartilha da pobre mãe ultrajada pela máquina da justiça. Quero, se possível, que a Liliana não seja fotografada agarrada aos peluches dos filhos. E quero - quero muito - que O CASO não seja apenas a pastilha elástica moral da semana.

Infelizmente, desconfio que vou ter muito pouco daquilo que eu quero.


14 comentários:

  1. Concordo plenamente! Devo dizer que conheço de perto um caso de uma senhora que aos 40 anos tinha 13 filhos. Ela não criou nem uma das crianças, entregou-as, de livre vontade, à segurança social (e, na minha opinião, ainda bem). Nenhuma das crianças foi adoptada porque em tribunal ela não cedeu os direitos parentais. Os dois mais velhos, já com mais de 20 anos, estão presos por terem enveredado por caminhos mais escuros. Ao 6º filho foi-lhe proposta uma laqueação de trompas que ela recusou. Eu pergunto, será assim tão descabido que a laqueação tivesse sido recomendada?! Afinal esta senhora serviu de barriga de aluguer ao Estado, "pariu-os" para o Estado criar...

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  2. Eu começo a dar razão ao comentador que há uns dias o achou um pouco tolo. Eu arriscar-me-ia até a achar "um muito"...
    Passe bem.

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  3. Epá, eu desta vez não concordo. Se é bem verdade que manda a prudência que não devemos opinar sem ter conhecimento dos factos e neste caso, há muita coisa por saber, o que é certo é que este caso (que pode bem ser o prato do dia como diz o João) evidencia uma tendência estatista com o qual eu não posso concordar. Quem já teve a infelicidade de ser confrontado com o nosso sistema da justiça, não pode ficar surpreendido com este tipo de postura. E quem já teve de lidar com serviços sociais do Estado, idem. Se juntarmos os dois, temos uma série de pessoas a tentarem justificar o seu posto de trabalho (especialmente em época de cortes), sendo que para isso têm de mostrar serviço. Isto leva, inevitavelmente, a que estas situações sejam muito facilmente interpretadas como situações limite, o que, pelo menos daquilo que conhecemos, não me parece que seja. Tanto quanto sabemos, as crianças não estavam subnutridas nem abandonadas. São pobres. E é esse o crime. Portanto toca de esterilizar a senhora. Ora, a posição mais confortável é não assumir nenhuma posição. Talvez seja prudente, mas não me parece que seja socialmente aceitável. Volto a frisar que quem já foi confrontado, por uma situação ou outra, com o nosso sistema de justiça, não pode ficar surpreendido com isto. No entanto não justifica a inacção.

    Acho inaceitável o conformismo e até algum regozijo com que vemos crianças serem retiradas aos pais, sem nenhuma justificação, para além da situação financeira. E onde é que termina isto?

    Qualquer dia temos um juíz a determinar que quem não tem posses para oferecer uma PSP aos filhos, não os pode manter. É que a visão dos iluminados da sociedade tende a alargar-se e a subir o nível de exigência mínima. Quem não acredita nisto ou é ingénuo ou pateta.

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    1. Bem haja!
      Por pensar por si próprio: ver, interpretar e opinar.

      Ao invés de andar atrás do rebanho insano dos que acham que ter filhos é para quem os matricula nos colégios da moda e depois lhes dá como pequeno almoço um donut e um sumol numa estação de serviço. De Cascais, de preferência...

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  4. Na minha opinião esta história está "muito mal contada", quero com isto apenas dizer que existirão muitos pormenores e factores omissos que foram determinantes para este desfecho. Não acredito que as crianças tenham sido retiradas à família de animo leve e que antes não tenham sido tentadas outras alternativas para solucionar o "problema". Parece-me que a história envolve outras dimensões além da pobreza...

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  5. Poderei até ser muito pateta ou muito ingénuo, mas não serei imprudente.
    E, portanto, não comentarei um caso concreto cujos contornos não conheço.
    Desafio o comentador prudente, aquele que diz não comentar o que não conhece, mas conclui que "...São pobres. É esse o crime.", a apresentar uma sentença de um Tribunal Português - vá lá, não seja ocioso, só uma - que fundamente a retirada de uma criança aos seus "pais" na situação económica destes.
    As sentenças em causa são escrutinadas pelas partes, por outros Tribunais, pelos inspetores do Conselho Superior da Magistratura e, conforme se vê, pela opinião pública e publicada. Até por aqueles que, certamente dotados de poderes extra-sensoriais, sem as lerem, adivinham o respetivo conteúdo e as motivações de quem as profere.

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  6. "não comentarei um caso concreto cujos contornos não conheço."

    Então não comente nada, porque raríssimas vezes acontecerá alguém estar 100% a par de um qq caso para então o puder comentar. Acabe-se já agora com a opinião pública!

    As tais senhoras que fizeram cursos miseráveis de Assistente Social, que às vezes não são capazes de interpretar um texto ao nível da 4ª classe, mas se acham embuidas de poder, teorias e moral sobre a família. Aquelas que sentem o rabo apertado (além de colado às cadeiras) de cada vez que um caso grave acaba mal e resolvem começar a "mostrar serviço", ficar-lhe-ão imensamente gratas. Tal como o Estado que se está verdadeiramente nas tintas para as crianças e as famílias e uma boa maioria dos Juízes que facilmente se escondem atrás de um "agi de acordo com os documentos do processo".

    Haja massa crítica, for this country's sake!

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    1. Assistentes sociais (as tais senhoras!)com cursos de qualidade miserável, rabos apertados e colados a cadeiras; Estado, nas tintas para crianças e famílias! Maioria (boa, certamente por oposição a má)de Juízes em fuga para a barricada de documentos processuais;
      Francamente, não consigo (minha culpa, minha tão grande culpa) contrariar factos tão evidentes e notórios, nem participar em debate de ideias tão elevado.
      Mas por respeito ao conselho que me deu, e imbuído (sim, com i, de ideia, e não com e de especulação) de um perigoso acesso de vontade de levantar o rabo e espreitar por cima das trincheiras, sempre lhe digo, senhor anónimo: O tipo de massa crítica de que faz apologia é mil vezes mais insidiosa que o Santo Ofício.

      A coberto do anonimato e de umas larachas politicamente correctas, oriundas da cartilha daqueles que querem acabar com o poder regulador dos desequilíbrios sociais de uma comunidade que as instituições do Estado vêm assumindo desde há cerca de duzentos anos; Sem concreto libelo acusatório de que os acusados se possam defender, são pessoas que veiculam o seu tipo de comentário (sem um facto, só insultos soezes e rasteiros) que vão queimando, na fogueira da comunicação em rede, a reputação pessoal e profissional de cidadãos cujo único ânimo é tentar construir uma sociedade melhor.

      Vou esperar que o saudável repto que lancei ao comentador Ricardo Igreja ( e este cidadão, pese embora a discordância que reitero quanto ao que escreveu, não precisa de defensores anónimos) para apresentar prova do que afirmou.

      Mas, pelo sim, pelo não, vou-me sentar.

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  7. Esta gente é tão ridícula... Deviam de ir perceber o que é um acordo de promoção e protecção - que foi incumprido várias vezes! Gente, desde 2005 até 2012 são 7 anos! Mas cabe na cabeça de alguém que um Tribunal tome uma decisão destas sem a mãe não pôr em perigo os filhos??? As CRIANÇAS TÊM DIREITOSS!!!!! Educação, Saúde, Alimentação! As pessoas às vezes acham que apenas tem de haver crianças batidas em casa para haver retiradas, mas NÃO! Esta mãe não cumpria COM NADA!!!! E foram 7 ANOS NISTO!!!! Será que ninguém percebe!? Acham mesmo que um Tribunal retira SETE filhos a uma mulher que agora aparece assim? Foi instruída, o discurso está completamente organizado para a TV e obviamente há advogados ali por detrás... E por favor: Um processo que já está no Tribunal Constitucional, é que já perdeu na Relação...! Ora se já perdeu na Relação é que esse tribunal também não lhe deu razão! Por favor, temos o país no estado em que temos, mas também não vamos entrar aqui na paranóia da perseguição!

    Shame on you!

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    1. Será? Uma só questão, se ela maltratava assim tanto os sete filhos, não maltratava os restantes? Se uns estavam em perigo os outros não? e o filho que era para ir e não foi?? não está mais em risco? Ahhh n está registado...POIS BUROCRACIAS! BUROCRACIAS E MAIS BUROCRACIAS! As crianças têm direitos, alimentação, educação, saúde e também têm direito de estar c sua mãe! mesmo se esta mãe não lhe puder dar uma psp ou ir À reunião da escola simplesmente porque tem o outro filho doente ou porque não pode sair com os 8 filhos atrás, ou porque não tem com os quem deixar! Em vez de ter uma decisão tão radical, porque não ajudar esta familia?

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  8. Muito obrigada JMT!
    Eu não vou comentar pq alguns dos processos foram acompanhados por mim...e, éticamente, não o farei em público. Os processos estão já no Constitucional e todo este ruído não beneficia em nada as crianças mas, a opinião pública está mais preocupada (e muito bem) com a garantia das liberdades da mãe. Eu serei daquele grupo de técnicos que fez "um curso miserável e não saberei interpretar um texto da 4ª classe" mas, não sou Assistente Social...quem acompanha estas situações, avalia e informa não são só assistentes sociais, há mais formações nas áreas de intervenção social.
    Uma certeza: muito do que se escreve e diz está descontextoalizado e muitos outros aspectos omissos, como convém para montar este foclore :((

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  9. O que aqui vai...
    Parece-me que a forma como o João Miguel Tavares se expressou foi muito correta, a comunicação social devia mostrar-nos notícias melhor fundamentadas e menos sensacionalistas!
    Há bons e maus profissionais em todas as áreas, mas temos que ter alguma confiança no trabalho das pessoas! Da minha experiência sei que as crianças só são retiradas quando há motivos muito fortes!
    Além disso...alguém com sérias dificuldades económicas não devia ter 10 filhos (agora podem começar a bombardear-me!), os métodos contraceptivos são gratuitos nos centros de saúde e o problema não é não os poder inscrever numa escola privada, é não ter dinheiro para lhes comprar os livros, para lhes comprar roupa que os proteja do frio e da chuva, para lhes dar de comer!

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  10. Já ontem publiquei a informação dada pelo CSM e, que me parece ter um raciocínio que colhe, ou seja, a mãe destas crianças, não cumpriu rigorosamente nada, do que acordou com a Segurança Social e, as crianças poderiam estar ou a vir a estar em risco.

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  11. Não sei ao certo os contornos do caso e não sei se as crianças deviam ter sido ou não retiradas á mãe, mas a desculpa de que a culpa de terem tirado por serem pobres não "cola". Segundo li, algumas das crianças nem estavam registadas, para fazer isso não se paga e agora até nem é preciso deslocarmo-nos a lado nenhum, pelo menos quando o meu filho nasceu (5 anos atrás) eu já pude proceder ao registo no próprio hospital onde ele nasceu, enquanto ainda estava internada.
    As vacinas igualmente, o meu filho tem apenas as do plano nacional de vacinação, também elas gratuitas, as outras não pude pagar, paciência, mas as gratuitas tem-nas todas em dia.
    E sim, acho um exagero ter esse número de filhos, além das despesas normais acho muito dificil conseguir tratar das necessidades básicas deles sem ajuda...imaginem cozinhar, dar banho, dar atenção, ajudar nos trabalhos de casa, etc etc a tanta criança. os métodos contraceptivos também são gratuitos no nosso país, se não pode tomar uma coisa, existe outra, o que não falta por aí são métodos contraceptivos.
    enfim, é a minha posta de pescada sobre o tema, porque acho que serem pobres não foi o que desencadeou essa situação, acho que há muito a avaliar. E é dificil ajudar a familia, não são assim tão poucos, é que chegaram a um nível que é preciso muita ajuda mesmo. E além do mais, se ela decidir ter 20 filhos e tem direito a ajudas, eu que quero ter um segundo mas não posso também deveria poder pedir essas ajudas para mim, não é? É que as pessoas falam e falam, mas as coisas não têem contornos tão fáceis quanto isso.

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