segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Um voto para 2013

Que os vossos passos sigam os vossos desejos.


(Pintura foto-realista do artista japonês Makoto Aida)

O regresso do rebanho

Estamos quase a iniciar o habitual rali Lisboa-Montes da Senhora-Castelo Branco-Portalegre, a forma moderna com que os pastores deste blogue reúnem as suas ovelhas, que estiveram durante uns dias dispersas por várias geografias. A pobre da Rita vai levar com 400 quilómetros em cima no espaço de dez horas, mas é por uma boa causa. À hora do jantar, a família já deverá estar toda novamente reunida, para celebrar junta a chegada de um novo ano.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Socorro!

Tenho o Gui a protestar por estar sozinho em Portalegre e o Tomás a protestar por estar sozinho em Lisboa. Quando estão juntos levam metade do tempo a discutir, quando estão separados morrem de saudades um do outro. Seria didáctico, se não fosse tão cansativo.

Onde está o Wally?

Em relação a este desafio, e como adivinharam a maior parte dos leitores (embora eu tenha gostado especialmente da resposta do tubarão vermelho, no qual nunca antes havia reparado), eu sou mesmo o quinto a contar da esquerda.


Tinha cabelo à tigela e cara redondinha, o que levou a que fosse confundido com uma menina durante mais de metade da minha infância. Uma coisa dessas, obviamente, só pode deixar traumas profundos pela vida fora.

Dona Canô (1907-2012)

Morreu no dia de Natal, aos 105 anos de idade, a mítica Dona Canô, esposa de um modesto funcionário dos Correios e mãe de oito filhos, entre os quais Caetano Veloso e Maria Bethânia. Foi cantada e homenageada em vida, embora ela dissesse sobre a sua fama: "Apenas fiquei conhecida por causa de meus dois filhos, que nunca se esqueceram de onde vieram nem da mãe que têm." Só que isso já diz muito sobre a educação que ela lhes deu.

Quando alguém morre aos 105 anos não faz sentido lamentar. Apenas celebrar, como aqui.



(A canção chama-se "Oração de Mãe Menininha" e foi composta por um outro grande baiano, Dorival Caymmi.)

sábado, 29 de dezembro de 2012

Aaaaaaaaaaahhhhhhhhhhh!

Há gente que tem intolerância ao glúten, à lactose ou aos camarões. Eu tenho intolerância a isto:


É evidente que ninguém gosta de um puto aos berros. Mas o problema é que eu fico doido no tempo em que um fósforo demora a arder. Doido mesmo doido, do género "agarrem-me senão eu dou cabo dele". Hoje, a pobre da Rita, que geralmente é uma santa, esteve bastante impaciente, porque está a ficar constipada. E graças a isso eu tive direito a alguns minutos de sirene de bebé. Cum camandro. Quantas saudades eu não tinha destes momentos de tortura.

Regresso ao passado

Encontrei no meu computador uma foto perdida de uma aula de Educação Visual do meu primeiro ano do ciclo, lá para 1983, suponho eu. Dão-se alvíssaras a quem adivinhar qual daqueles miúdos sou eu.


sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A prenda de Natal que me esqueci de pedir

Se alguém me perguntar qual o melhor filme infantil de todos os tempos, a minha resposta está na ponta da língua: Totoró, do grande, enorme, imenso, gigantesco Hayao Miyazaki (vénia, vénia).


Um dia terei de perder (ou ganhar) algum tempo a falar demoradamente desta extraordinária obra-prima de 1988, que felizmente ganhou há pouco tempo uma edição nacional em DVD, embora sem dobragem portuguesa, o que é uma pena, porque este é um daqueles filmes para ver do 1 aos 111 anos. Seja como for, o que eu queria dizer agora aqui é que descobri recentemente na net esta maravilha:



Ela dá para comprar no eBay (chega via China, por valores entre os 270 e os 280 dólares), e embora pareça que é apenas para criança, a cama também existe em formato de casal. Pelo que se vê nas imagens, a cauda do Totoró até se consegue destacar, para nos consolar nas noites mais solitárias. Infelizmente, esqueci-me de o pedir ao Pai Natal. Mas o Natal é quando um homem quiser...

Filho único... vezes quatro

Eu venho de uma família grande. Tenho quatro irmãs e um irmão, por isso sei bem o que é correria e não haver muito tempo para a atenção exclusiva dos pais. Talvez por isso me tenha ficado na memória uma história que a minha mãe me contou ter ouvido da boca da esposa de Roberto Carneiro. Como eles têm nove filhos, para conseguir dar atenção a cada um, uma vez por semana ela dedicava um fim de tarde em exclusivo a cada um deles. Assim, de nove em nove semanas, ela passava uma tarde a passear, conversar, a fazer compras ou a estudar com um filho em particular.

Quando os nossos miúdos começaram a crescer eu adoptei esta técnica. De vez em quando (infelizmente, não com regularidade semanal, pois não sou uma super-mulher como a Maria do Rosário Carneiro), vou namorar (nas palavras deles) com a Carolina, Tomás ou Gui. São momentos muito divertidos, intimistas, em que consigo sentir-lhes a alma e dar-lhes mimo como se não existissem horários, obrigações ou preocupações.

Ontem, o Tomás, que está doentito e por isso não pôde ir passar uns dias com os avós, ficou em casa comigo e com a Ritinha. Passámos o dia a montar Legos, a ver filmes, a conversar, a jogar à bola nos intervalos dos picos febris, enquanto o enganava com copos de água e fruta fresca para compensar a falta de apetite, e o tentava afastar da Ritinha para evitar que a infectasse.

No fim do dia, enquanto se aninhava na nossa cama, disse-me que hoje (ontem) nos tínhamos divertido à brava, como os meninos perdidos do Peter Pan.

Na história do Peter Pan, os meninos perdidos vivem na Terra do Nunca, que é o lugar de todas as brincadeiras, enquanto a casa dos pais é o sítio sério, o sítio das responsabilidades, onde se é obrigado a crescer. Nenhum adulto pode entrar na Terra do Nunca. E nenhum menino perdido quer sair de lá. Ontem, o Tomás sentiu que os dois mundos se encontraram. Nem que tenha sido apenas por umas horas, é um grande elogio.


As intolerâncias do Pai Natal

Uns dias antes do Natal fomos ver o filme A Origem dos Guardiões e a Carolina, que nessa altura já estava certa de que o Pai Natal não existia, voltou a ficar com suspeitas sobre a sua existência e pediu-nos para ir ver outra vez o filme porque precisava de tirar algumas dúvidas. Dissemos-lhe que só poderíamos voltar a ir ao cinema depois do Natal e por isso ela, à cautela, resolveu acreditar.

Na véspera do dia 25, antes de ir para a cama, encontrei-a na cozinha com dois pacotes de leite na mão e um copo em cima da mesa. Nós temos o hábito de deixar um copo de leite e um prato de biscoitos para o Pai Natal comer depois de deixar os presentes. A Carolina perguntou-me:

- Mamã? Achas que o Pai Natal bebe leite sem lactose ou do magro normal?
- Hãn?!? Não faço ideia Carolina.
- Acho melhor então deixar-lhe sem lactose porque senão ainda fica com dores de barriga e não pode entregar as prendas todas.


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Clique!

Eu nunca tive grande paciência para bebezinhos. Sempre precisei (desesperadamente) que os meus filhos entrassem no domínio da linguagem para que nos começássemos a entender. Mas em relação à Rita, que é suposto ser a última de linhagem, eu prometi a mim próprio que iria ser mais contemplativo. E, de facto, entre esta fotografia tirada com um dia de vida, a 1 de Setembro,


e esta outra tirada no dia de Natal, menos de quatro meses depois,


há um mundo inteiro de distância. É a diferença entre chegar à vida e estar absolutamente vivo. Os novos olhos da Rita não são de quem está a ver, mas sim de quem está a descobrir. Ela não está a olhar para a máquina fotográfica. Ela está a pensar que coisa é aquela que estão a apontar na sua direcção. É ela quem está na fotografia. Mas quem está a ser fotografado somos nós.

Começaram os saldos

Ontem, o Gui foi para o Alentejo e a Carolina para a Beira Baixa. Até ao próximo domingo serei pai com 50% de desconto. Nem imaginam como eu gosto deste género de promoções.


Os primeiros 100 000

Às 0.15 desta quinta-feira o Pais de Quatro chegou às 100 mil visualizações em Dezembro. Para um blogue que arrancou oficialmente há apenas 20 dias, é um número que muito nos lisonjeia. Um sincero obrigado a todos os leitores.

It's a Wonderful Life

Quando nós estamos mesmo, mesmo cansados, ver isto faz tão bem.


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Paparazzi

Hoje fomos almoçar fora, antes de as nossas famílias regressarem à província, após o fim da quadra natalícia. No restaurante, o Tomás pediu-me o iPhone para jogar ao Angry Birds enquanto a comida não chegava. Acabou a tirar fotografias sem pedir autorização. Mas eu gostei das fotos do mini-repórter:





A pré-adolescência

Hoje tive um longa conversa com a minha filha mais velha sobre isto:


Não sobre elevadores, mas sobre cabelos. Fui com a Carolina ao cabeleireiro. À entrada falámos sobre pontas espigadas, quantos dedos cortar sem comprometer o seu crescimento (ela quer ficar com o cabelo muito comprido), e sobre as madeixas douradas que algumas das suas colegas de escola já fazem, com resultados que ela aprova muitíssimo. À saída falámos sobre o facto de o seu cabelo estar a ganhar uma nova ondulação, que a está a satisfazer bastante, e sobre a necessidade de continuar a afastá-lo para os lados com as pontas dos dedos, de forma a conseguir que os cabelos da frente se desviem automaticamente dos olhos após a secagem. Esse movimento permitir-lhe-ia, no seu entender e no entender do seu cabeleireiro, prescindir dos ganchos, que ela não aprecia particularmente.

A Carolina tem oito anos. Ontem dizia-me que acreditava no Pai Natal. Hoje parecia que trabalhava na L'Oréal. Suponho que seja isso a pré-adolescência, de que ela tanto fala: brushing às 16 horas, renas voadoras depois das 22.  

Da série "Diálogos em Família". Episódio 4

Avó - Ó Gui, eu sou velhinha, não consigo fazer isso. Olha lá bem para mim, sou ou não sou velhinha?
Gui - És média.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Toy Story

Sabem o que é que me dá mesmo cabo da moleirinha a cada dia 25 de Dezembro? Não é ficar acordado até às quatro e meia da manhã a montar as prendas grandes das criancinhas (que piada tem receber uma tabela de basquete dentro de uma caixa?). Não é o pandemónio de papel rasgado e caixas esventradas mal eles acordam pela manhã. Não é a necessidade de controlar o olhar desvairado de três crianças tomadas pelo desejo de abrir prendas e mais prendas. Não é a obrigação de passar a tarde inteira a brincar com jogos novos ou a pôr de pé uma casa da Lego ou um carro da Playmobil, com cada um a puxar-me para seu lado. Tudo isso põe um gajo semi-comatoso. Mas não é o que me dá cabo da moleirinha.

O que me dá mesmo, mesmo cabo da moleirinha é nunca acabar um dia 25 de Dezembro sem um par de brinquedos já estragados. Seja porque uma flecha de plástico ficou irremediavelmente dobrada devido a uma zanga entre irmãos. Seja porque a peça de um carro luzidio se partiu devido ao uso imprudente. Seja porque um líquido viscoso amarelo de um qualquer Gormiti foi engolido pelo lavatório após uma experiência parva do Gui.

Eu sei, eu sei, eles são crianças. Mas dentro de mim existe um gajo conservador que se convence de que há ali uma certa falta de cuidado derivada da abundância, um excesso de oferta que convida à imprudência. E eu não quero ter filhos desses: descuidados, despreocupados e, basicamente, que se estão nas tintas, porque tudo é facilmente substituível.

Quando se começa nos brinquedos corre-se o risco de acabar nas pessoas. E essas são mais difíceis de consertar.

Desejo natalício

Mal posso esperar que acabem as férias de Natal para regressar ao trabalho e poder enfim descansar.


Despojos de uma manhã de Natal

Tenho um novo estilo de carpete no chão da minha sala.


domingo, 23 de dezembro de 2012

Em defesa da honra (e da sanita)

Acerca do comentário sobre a minha pessoa emitido pela excelentíssima esposa no final deste post, venho aqui admitir com todo o orgulho a sua veracidade. E venho fazer mais: declarar publicamente que a sanita é a melhor amiga do homem casado e com filhos. A sanita é o nosso último refúgio. Os nossos mais preciosos 100 centímetros quadrados de solidão. O mais belo objecto oval das nossas vidas. Tem uma única imperfeição: começa a causar formigueiro ao fim de 15 minutos. Mas o que é isso comparado com as incontáveis vezes em que nos salva da loucura?


Rita Batata Frita

Quando era miúda, o álbum Brincando aos Clássicos, da Ana Faria, estava para mim como hoje em dia As Canções da Maria, da Maria de Vasconcelos, está para os meus filhotes. Lembro-me de ter pena que o meu nome não estivesse incluído na lista de músicas adaptadas pela Ana Faria, que no disco colocava novas letras em cima de melodias eruditas e cada canção tinha o nome de uma criança. Pois com os meus primeiros três filhos aconteceu o mesmo: não há Carolina, nem Tomás, nem Guilherme no Brincando aos Clássicos.

Já a Rita teve mais sorte. Há uma "Rita" que adapta a "Valsa Brilhante" do Chopin.

Ou se calhar teve mais azar: o Gui gostou tanto da música que entretanto já começou a chamar a irmã mais nova de "Rita Batata Frita", que é a sua rima favorita da canção.



Só mais um...

Ontem à noite fizemos noitada a ler "Os Cinco".

Cá em casa temos o hábito de ler uma história antes de adormecer. Quando, há dois anos, a Carolina entrou para a escola primária, comecei a ler-lhe na cama livros mais longos e sem bonecos (primeiro umas páginas, progressivamente um capítulo de cada vez), para que ela se começasse a concentrar e a ganhar o gosto da leitura. Com os dois rapazes mantinha a leitura das histórias infantis mais simples.

Mas desde Setembro, com a entrada do Tomás para a escola primária, começámos a ler "Os Cinco" no quarto dos rapazes. Os mesmos Cinco (mas em novas edições) que eu li quando tinha a idade deles. O Gui, que ainda é pequeno para estas andanças mas dorme no mesmo quarto do Tomás, acabou por sofrer um upgrade forçado - e não se chateia nada com isso.

No início deste novo ritual, a Carolina fingia que não queria ouvir os capítulos de um livro para miúdos (para ela é mais a Enid Blyton de "O Colégio das Quatro Torres" e "As Gémeas"), mas ficava atrás da porta para não perder pitada. Eu fingia que não percebia...

À medida que a aventura do primeiro livro da colecção avançava, a Carolina foi entrando no quarto e agora aninha-se logo ao meu lado quando me sento para começar a ler.

O capítulo de ontem terminou em suspense com a promessa de grandes aventuras. E os miúdos insistiram para ler mais um capítulo, e mais um, e mais um...

Às tantas estávamos quase no final do livro, o Gui já dormia, quando o pai entrou de rompante no quarto absolutamente escandalizado por (uma hora depois) ainda estar tudo de olho arregalado. Mas se há assunto onde ele não tem moral para refilar é este. Antes uma hora a ler deitado num quarto do que sentado numa casa de banho. O bicho da leitura é o mesmo, mas incomoda muito menos gente.


Esta é a capa da nova edição século XXI. E esta é a edição velhinha, que eu li nos anos 80.


sábado, 22 de dezembro de 2012

Caetano é f***

Caraças do Caetano, que só me causa problemas. Aqui há meia-dúzia de anos, ele editou uma canção chamada "Porquê", na qual passava três ou quatro minutos a dizer "estou-me a vir, estou-me a vir, estou-me a vir". Parece que o senhor achou imensa graça à expressão, já que ela não se usa no Brasil (do outro lado do Atlântica eles "gozam", não se vêm), e decidiu compor um tema com orgasmos múltiplos em loop (bastante ridículo, diga-se).

Ora, eu tinha ficado de criticar o disco para a Time Out e a Carolina nessa altura tinha dois anos (isto foi em 2006). Como ela ainda mal falava, estava todo confiante de que não perceberia patavina da canção, e eu fui ouvindo o álbum descontraidamente. Até que um dia a apanhei a trautear "estou-me a vir" no WC e apanhei um susto de morte. "Estou-me a vir aos dois anos?!? Imagina que ela vai cantar isto para o infantário!", gritava eu horrorizado para a minha esposa, enquanto ensopava o seu ombro e começava a passar na minha cabeça um filme com a Comissão de Protecção de Menores a entrar-me pela casa dentro.

Agora, o Caetano acaba de lançar um novo disco, chamado "Abraçaço", uma palavra que ele inventou, muito fofinha, e que significa um abraço particularmente carinhoso e sentido. Bonito, não? Pois bem: uma pessoa coloca o CD no carro com três filhos nos bancos de trás, a caminho da natação, e sabem qual é o primeiro tema? Chama-se "A Bossa Nova É Foda". E faz jus ao nome. "Oh não!", pensei eu imediatamente, "outra vez?!?".

Portanto, põe f*** nisso, ó Caetano: eu ia ficando sem a falangeta do meu dedo indicador direito de tanto metralhar o botão do leitor de CDs para saltar de faixa. Bolas, antigamente um gajo conseguia escutar MPB sem este tipo de sobressaltos.

(Mas, claro, como eu imagino que os leitores deste blogue sejam danadinhos para a brincadeira, aqui vai:)


As melhores piadas sobre vida familiar #1

Chris Rock sobre o divórcio de Nelson Mandela:


Boas festas para todos

Nada como começar a esta longa maratona natalícia de quatro dias com uma fotografia da nossa árvore de Natal. Muito boas festas para todos.


sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Ser um verdadeiro Pai Natal

O Tomás entrou em Setembro para a escola e conquistou o direito a receber semanada, sempre que cumprir exemplarmente os seus deveres de estudante. Desde então tem poupado todo o seu dinheiro, e um dos seus programas preferidos é ir ao banco depositá-lo. Esse cerimonial é tão importante para ele que logo da primeira vez memorizou a cara do senhor que o atendeu ao balcão. Quando há uns tempos o encontrámos por acaso na rua, o Tomás gritou a plenos pulmões: "este é o senhor que tem o meu dinheiro!", enquanto eu me enfiava por entre as pedras da calçada perante o espanto do pobre senhor e os olhares de soslaio dos transeuntes.

Isto significa que, para o Tomás, gastar um cêntimo seu é-lhe extremamente penoso. Não foi ao acaso que o pai lhe dedicou o livro A Crise Explicada às Crianças: para miúdos de direita e de esquerda, e que nós, cá em casa, o imaginamos como futuro ministro das Finanças.

Ontem, o Tomás foi, pela primeira vez, fazer compras de Natal para oferecer aos manos com o seu dinheiro. Foi um prazer vê-lo tão orgulhoso por ter encontrado uma prenda da lista do Gui (a mais baratinha, pois claro, ou não fosse ele um futuro Vítor Gaspar) e a fazer o troco para pagar na caixa. Guardou o recibo como se fosse uma nota de 500 euros e logo ali, no chão da loja, escreveu no embrulho de quem e para quem era a prenda.

Vai-lhe saber muito bem vestir a pele do Pai Natal na noite de segunda-feira.


Corremos ou andamos?

Finalmente, a resposta a uma das grandes dúvidas da minha existência: quando começa a chover e nós não temos guarda-chuva, devemos desatar a correr ou continuar a andar normalmente? A opção correcta é...


E o Mundo Não Se Acabou

Bom, a esta hora acho que já podemos dar isto como certo:


O Pai Natal e a suspension of disbelief

Estou com um grave problema de lógica interna cá em casa, e a ausência de um fio narrativo plausível está a deixar-me angustiado. Eu tenho uma filha de oito anos que está bastante desconfiada de que o Pai Natal não existe, um filho de seis anos que está mais ou menos confiante de que o Pai Natal existe, um filho de quatro anos que está absolutamente certo da existência do Pai Natal e uma filha de três meses que se está nas tintas para tudo isso.

E o que se passa é isto:

1. Temos prendas debaixo da árvore de Natal, porque as pessoas vêm cá a casa e deixam prendas para os miúdos.

2. Temos idas às compras com os dois mais velhos, que usam o dinheiro das semanadas para comprar prendas para os irmãos, coisa que eles adoram fazer, é generoso e é didáctico, e portanto está fora de questão que não o façam.

3. Temos a narrativa tradicional do Pai Natal, que aparece na noite de dia 24 para 25 e deixa as prendas todas nos sapatinhos, e por isso convém que se portem bem.

Ora, como raio é que se compatibiliza 1 com 2 e com 3? O Pai Natal vem cá a casa mas as prendas já cá estão? O Pai Natal é que dá as prendas mas eles é que as compram? Para que é que eu me preciso de portar bem se a árvore já está cheia de presentes? Chiça-penico, nada disto faz nenhum sentido. Preciso de um argumentista de Hollywood na minha vida.


quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Presépio n.º 2 já não volta a cair

Queria agradecer publicamente toda a atenção que os fantásticos leitores deste blogue têm dedicado às desventuras do Presépio n.º 2 (a história completa aqui, aqui, aqui e aqui). Na sequência do último post recebemos vários conselhos de engenharia sobre como impedir um novo aluimento de musgo, que voltasse a pôr em perigo as vidas de pastores, animais e reis magos.

Pressionado pelo dono da obra e pela aproximação da Consoada, o empreiteiro responsável pela execução do projecto acabou por decidir montar um duplo pilar em vidro inquebrável - também conhecido como "frasco vazio de salsichas tipo Frankfurt" -, que parece finalmente estar a dar conta do recado, como se pode verificar na imagem.


O Menino pode finalmente ser adorado em condições de segurança.


Da série "Diálogos em Família". Episódio 3

Carolina - Papá, é verdade que se levarmos uma pancada muito forte na coluna podemos ficar paraléticos?
Pai - Não é paraléticos, Carolina. É paralíticos.
Carolina - Isso. Paralíticos. É verdade?
Pai - Sim, é verdade. E conforme o local da pancada, há pessoas que ficam paraplégicas e outras que ficam tetraplégicas. Sabes qual é a diferença?
Carolina - Não.
Pai - "Tetra" é um prefixo de origem grega que significa "quatro". Portanto, uma pessoa que é tetraplégica não consegue mexer quatro...
Carolina - Quatro dedos?

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Família esquisiiiiiita

Esta noite, ao jantar, tive a companhia de um viking, de um cavaleiro medieval e de um leão. Parecia as Crónicas de Nárnia. E ainda há quem diga que a vida familiar é uma coisa aborrecida.



E a resposta certa é...

Em relação a este post, alguns leitores perguntaram que coisa é essa, afinal, que os homens têm e as mulheres não, e que não serve (pelo menos directamente) para fazer filhos. A resposta certa é... boxers. Ná, estou a gozar. A resposta certa é maçã de Adão, como alguns adivinharam. Para explicações técnicas sobre este tema, façam o favor de chatear a excelentíssima esposa.


Mais notícias do presépio n.º 2

Após a tragédia relatada aqui, o presépio n.º2 sofreu obras profundas de remodelação, nomeadamente a reconstrução de uma nova plataforma e o reforço da sua estrutura.


As várias figuras voltaram então ao seu trabalho sazonal de adoração do Menino.

No entanto, mal eles sabem que...


...a tragédia continua à espreita. Infelizmente, não há meio de os engenheiros encontrarem uma estrutura em cartão capaz de suportar o peso do musgo, cuja humidade se vai infiltrando no papel e abatendo lentamente a estrutura. Eis um caso evidente em que uma contenção orçamental sem qualquer critério racional poderá vir a ter um custo gravíssimo em porcelana e em vidas de personagens de presépio. Um custo, sublinhe-se, muito superior àquilo que se está a querer agora poupar, ao apostar numa construção com materiais de terceira categoria. O empreiteiro vai ter rapidamente de encontrar uma solução técnica consistente, antes que novo aluimento ocorra.

Da série "Diálogos em Família". Episódio 2

Pai - Uma pergunta, meninos: qual é a coisa que os homens têm e as mulheres, não? E, por favor, a resposta não mete pilinhas, nem maminhas, nem pipis, nem nada disso.
Carolina - Barba!
Pai - Não, também não mete pêlos. É outra coisa.
Tomás - Brincos!
Pai - Há homens que têm brincos, Tomás. O Cristiano Ronaldo tem brincos. É uma coisa que o corpo dos homens tem e as mulheres não.
Gui - Boxers!

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Carta ao esposo

Caro esposo:

Está uma pessoa entretida a lidar com um maldito vírus respiratório que resolveu abancar cá em casa, quando, num intervalo de limpeza dos danos gastrointestinais colaterais (não me peçam detalhes, por favor), resolve ir ao blogue e se depara com um texto intitulado "Então e eu?". Pois sobre o "Então e eu?" tenho eu então a dizer:

- Se nas 2.985.435 fotografias que temos desde que começámos a formar família eu estiver presente em 50, é uma sorte.

- Não se percebem as queixinhas sobre não aparecer nas fotografias, porque, de cada vez que saco da máquina para tirar uma, chovem comentários do tipo "devias guardar estes momentos no teu coração" (com acompanhamento de violinos) ou "pareces uma turista chinesa".

- Quando os nossos filhos crescerem e olharem para os álbuns de fotografias devem achar que são órfãos de mãe.

Devo então depreender que da próxima vez que estivermos em família, num daqueles momentos para mais tarde recordar, posso passar a máquina para as mãos do excelentíssimo esposo, pois estará entregue a um verdadeiro Gérard Castello-Lopes.



O Livro Negro dos Castigos

Os meus filhos são tantos e eu castigo-os tantas vezes, que já me esqueço de os ter castigado.

A Teresa perguntava-me hoje:
- Mas eles não estavam proibidos de jogar à Wii?
E eu:
- Uuurhhh, eeerhhh,... Ups, já não sei. Espera aí. Caroliiiiiiina, anda cá ao papá.
Chega a Carolina:
- Olha, tu ainda estás de castigo ou o castigo já expirou?
Diz a Carolina:
- Não, papá, o castigo era só até às 24 horas de ontem.
E eu:
- Huuuuuummm....
E ela:
- Não estou a mentir, papá!

Bom, há que admitir que isto é um bocado ridículo, perguntar aos castigados se o castigo ainda está em vigor. Mas eu já não consigo controlar todas as proibições que lhes imponho porque eles demoraram a comer, demoraram a deitar, demoraram a chegar, demoraram a calar ou continuaram a gritar. E isto várias vezes ao dia.

Já sei o que vou pedir ao Pai Natal: o Livro Negro dos Castigos.

Então e eu?

Uma leitora altamente querida mandou-nos esta imagem por mail:


E acrescentou: "Vi isto num site e acho que é a vossa família :)". Reparem que está tudo muito certo: a mãe médica a analisar uma radiografia, a primogénita toda artista, o rapaz mais velho a jogar à bola pelo Benfica, o rapaz mais novo com roupa colorida e pinta de reguila, um bebé pequenino ao colo. Tudo perfeito, excepto...

espera...

será que...

falta ali alguém?

Claro que não. Parece que falta, tem mesmo pinta de faltar, uma pessoa mal-intencionada suporia que faltasse, mas não falta nem faltará. A leitora altamente querida sabe perfeitamente que o papá também está ali. Só que não se vê, por estar do lado de cá. É uma coisa que acontece, aliás, com grande frequência aos papás: nós somos os que ficam a tirar a fotografia.

Este gatafunho dava um peluche


Desculpem a foto manhosa, mas é o que arranja: esta é a abertura da secção de Miúdos da Time Out Lisboa desta semana e a ideia pareceu-me tão gira que não resisti a trazê-la para aqui. A Trapos e Monstros agarra nos desenhos dos nossos miúdos e transforma-os em bonecos de peluche, dando vida ao que geralmente está condenado a desaparecer num qualquer caixote poeirento. Os preços começam nos 30 euros mas, segundo está explicado no site, variam (ou seja, aumentam) de acordo com a complexidade do boneco. A Time Out diz que podem chegar aos 90 euros.

Por mero acaso, o meu sobrinho João Bernardo mandou-me há dois dias esta mensagem via Facebook: "Tu que gostas destas cenas, olha este site". E a "cena" é um site no Canadá (chama-se Child's Own Studio) que faz exactamente a mesma coisa, com a diferença de que lá os preços começam nos 70 euros (e mesmo assim a senhora tem tanto trabalho que nem sequer está a aceitar encomendas neste momento).

O que é preciso é ter ideias, e esta é realmente boa, seja em Portugal ou no Canadá.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Prendas de Natal

Os meus filhos adoram aquelas revistas cheias de sugestões de brinquedos para o Natal que por esta altura saem encartadas nos principais jornais. Este ano, em vez de escreverem uma carta ao Pai Natal a pedir coisas vagas como "uma bicicleta" ou "uma trotinete", decidiram agarrar em tesoura e cola e apresentar o pedido em formato clipping: uma data de recortes com aquilo de que gostam mais e respectivo preço, porque, para grande orgulho do ministro Gaspar, a maior parte deles já tem consciência do orçamento que tem à sua disposição para compor o sapatinho.

Este é o pedido da Carolina:


O papel está rasgado em vários locais devido à intervenção do ministério das Finanças caseiro, que obrigou a Carolina a somar o preço de cada item, e posteriormente a aconselhou a não viver acima das suas possibilidades.

Este é o pedido do Tomás:


Um orgulho de filho em tempos de troika: modesto e sempre comedido.

Mas, claro, todas as famílias têm o seu Alberto João Jardim. E já muito depois do corta-e-cola da Carolina e do Tomás, o Gui continuava empenhadíssimo no seu trabalho:


Oh, se continuava...


E ao fim de uma hora de trabalho, apresentou não uma folha, mas três:


E todas elas devidamente assinadas nos cantos (a única coisa que ele sabe gatafunhar é mesmo a palavra "Gui"), não vá o Pai Natal confundir os papéis. Louvo-lhe a consciência dos potenciais mal-entendidos da burocracia, sobretudo na Lapónia, mas lamento ter em casa um filho tão escandalosamente deficitário. Um dia destes, lá teremos de nos sentar para assinar um memorando de entendimento.

Dança de camas

Então esta noite foi assim:

1. O Gui adormeceu sozinho em cima da nossa cama, e como estava demasiado chocho para o nosso gosto achámos melhor deixá-lo ficar por lá.
2. O Tomás, que dorme no mesmo quarto do Gui, declarou que não queria ficar sozinho e pediu para ir dormir para a cama da Carolina.
3. A Carolina, depois de torcer várias vezes o nariz, aceitou a proposta, até porque, embora não o admita, prefere dormir acompanhada.
4. Eu, que fico doido (como já aqui expliquei) sempre que um puto me invade a cama, e consciente de que o Gui anexa um colchão mais depressa do que a Alemanha anexou a Áustria, decidi ir dormir para o sofá da sala.
5. Às duas da manhã ponho-me de pé num pulo: a Carolina saltou da cama e está na casa de banho a vomitar.
6. Preocupada com ela, a Teresa trocou de cama e foi dormir com a Carolina e com o Tomás, para o quarto da Carolina.
7. Como o nosso quarto ficou vazio de adultos, abandonei o sofá e fui dormir para a minha cama, com o Gui e com a Rita.
8. Houve mais pulos, e trocas e idas ao gregório durante a noite, mas poupo-vos a descrição, porque não quero que este blogue contribua (ainda mais) para a queda da natalidade em Portugal.

Mas há uma boa notícia no meio disto, porque toda a nuvem negra tem uma bordadura prateada (é um provérbio inglês). E a boa notícia é esta: embora casado e monogâmico, também eu posso dizer, sem nunca mentir, naquelas conversas de gajos à volta de cervejas e um prato de tremoços, que ando a saltar de cama em cama, dormindo com homens e com mulheres diferentes, dois e três ao mesmo tempo. E tudo numa só noite. É ou não é de macho?

domingo, 16 de dezembro de 2012

Os melhores sonhos da Rita

Esta manhã o Gui ficou tristonho porque não tinha nenhum irmão para brincar. A Carolina teve um fantástico sleepover na casa de uma amiga e o Tomás foi ver "Os Caricas" com uma colega especial ... e uma mãe especial, que não só teve a paciência de suportar 1 hora e 45 de espectáculo (?!?) para deleite das filhas, como ainda levou de brinde um filho emprestado.

À falta de melhor opção, o Gui decidiu ir brincar com a Rita em cima da nossa cama. Só que a grande especialidade da Rita ainda não é brincar, mas dormir. Ao fim de 5 minutos de palramento ela já estava a fechar os olhitos, cheia de sono. O Gui resolveu então preparar-lhe a cama para ela não cair e não lhe faltar entretenimento durante o sono: foi buscar todos os peluches dele e do Tomás (e são muitos!), todas as almofadas que encontrou na casa, o Tótoro-luzinha com que dorme à noite, o jornal do papá e os livros que lemos às prestações antes de dormir. Complicado foi convencê-lo de que a Rita não precisava de escutar um capítulo de "Os Cinco" para conseguir adormecer, e de que os seus melhores sonhos são do mais silencioso que há.

No final, a nossa cama ficou assim:


Tão bons que eles são a dar recados

Ontem à tarde tivemos a festa de Natal da catequese do Tomás e da Carolina. Os miúdos informaram-nos da hora, mas esqueceram-se de nos explicar que a festa seria... uma eucaristia, e não um lanche com actividades. Conclusão: fomos para a igreja carregados com quatro filhos e um prato de aletria, que voltou intacto à casa de partida, depois de pôr à prova a resistência ao pecado da gula de um miúdo que estava na fila de trás. Alguém é servido?


Tavares Ensemble Choir

Eis os dois primeiros parágrafos do meu texto de hoje na revista do CM:

Eu não vivo na mesma cidade do meu irmão desde 1986, quando ele deixou Portalegre para ir estudar Engenharia Têxtil para a Covilhã. Já lá vão 26 anos. A sua vida foi-se desenrolando no eixo Covilhã-Portalegre, e a minha vida instalou-se em Lisboa. Ele é o primogénito da família, quatro anos e meio mais velho do que eu, o que é uma diferença de idades significativa quando se é criança. Os seus amigos nunca foram os meus amigos, nunca vimos os mesmos desenhos animados, e ele ganhava-me sempre a jogar à bola e ao ZX Spectrum.

E no entanto, há poucas coisas de que me orgulhe mais na vida do que a relação que tenho com o meu irmão. O meu mano é o meu mano. E quando olho para os meus filhos, o que de melhor posso desejar para eles é que sintam uns pelos outros o que eu sinto pelo meu irmão e o que o meu irmão sente por mim – porque a absoluta certeza desta reciprocidade é uma coisa rara, que não se alcança em todas as famílias.


O resto pode ser lido aqui:

http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/outros/domingo/tavares-ensemble-choir


Como diria a Rainha de Copas: "Corta-lhe a cabeça!"

Já houve várias vezes em que me apeteceu fazer isto à minha filha mais velha, e hoje, que é domingo, é sempre bom relembrar que o Pavilhão do Conhecimento tem uma forma perfeitamente legal de servir cabeças em bandejas. Se estiver com a paciência por um fio, como eu tenho estado durante este fim-de-semana, já sabe onde pode ir passear hoje à tarde.


sábado, 15 de dezembro de 2012

Almoço em família


Hoje fomos almoçar em família à pizzaria La Finestra e estive a um pequeno passo de enfiar a cabeça dos três mais velhos no forno de lenha. Quando numa refeição fora de casa o filho que se porta melhor é (de longe) o que tem três meses de idade, uma pessoa tende a perguntar-se onde é que está a falhar como educador. Se calhar o melhor é eu próprio saltar para dentro do forno e fechar a porta.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Os homens também choram

Em Janeiro de 2011, chocado com a morte da jovem Christina Taylor Green (2001-2011) num tiroteio em Tucson, escrevi um texto chamado "Os homens também choram", sobre a dor que um pai sente quando é confrontado com a morte de uma criança. Multiplicado por 20, hoje voltei a sentir o mesmo. Deixo, por isso, aqui esse texto, tragicamente actual:
No dia 8 de Janeiro uma criança americana de nove anos, ironicamente nascida a 11 de Setembro de 2001, foi assassinada juntamente com cinco outras pessoas num tiroteio em Tucson, nos Estados Unidos. Ao escutar o espantoso discurso de Barack Obama em sua homenagem, considerado por democratas e republicanos como o mais extraordinário desde que foi eleito presidente dos EUA, devo ter aviado uma caixa de kleenexes inteira. A criança chamava-se Christina Taylor Green e era uma óptima aluna que tinha ido escutar a mulher que a representava no Congresso americano. E eu senti, como qualquer pai sente, que aquela poderia ser a minha filha, que a Christina se poderia chamar Carolina, que o puro mal por vezes desaba barbaramente sobre nós, sem solução nem explicação.
Só que nada disto é novo. Tudo isto eu sei desde que comecei a perceber o mundo e o significado da palavra “morte”. E no entanto, durante muito, muito tempo, eu brincava com os meus amigos dizendo-lhes que a vida não me comovia. É certo que sempre fui um chorão a ver filmes, que qualquer pirosada me punha (e põe) as bochechas húmidas, mas nunca a tristeza da morte ou os azares do amor, quando aconteciam na vida real em vez de na tela de cinema, me conseguiam resgatar uma lágrima.
Foi assim durante anos e anos. Até que fui pai. E com a paternidade veio uma estranha (e mariquinhas) tendência para projectar os meus filhos em tudo o que é tragédia alheia: uma criança desaparece e penso no que faria se ela fosse minha, um miúdo morre num acidente e interiorizo o luto dos seus pais. Esta projecção é esquisita e difícil de explicar a quem não tem filhos. Se dissermos a uma pessoa que ela não tem a mesma capacidade para sentir a morte de uma criança só porque nunca pôs um filho no mundo, isso soa a barbaridade. Não é decente afirmá-lo. Mas no meu caso pessoal, manda a sinceridade dizer que, de facto, tudo mudou após o nascimento da Carolina. Antes, a morte de uma criança doía-me na cabeça e, vá lá, no coração; agora dói-me nas entranhas, é uma dor física, como que uma pontada vinda dos meus medos mais profundos.
Adicione-se a isso, isto: a idade vem acrescentar lenha a esta fornalha e torna-nos tristemente choramingas. Há aquela dor nas costas que não passa, aquela distância que já não conseguimos percorrer sem que metade do pulmão nos salte pela boca, aquela noitada de que só recuperamos uma semana depois, e tudo isso acentua a consciência da nossa mortalidade e o sentimento de perda. De repente, a torneira do saco lacrimal torna-se estranhamente lassa, como aqueles autoclismos que não param de pingar por muito que apertemos os parafusos. Alguém nos desaparece e é como se a própria vida se esfarelasse um pouco, um rasgão que procuramos disfarçar mas cuja cicatriz recorda para sempre a ausência – e assim, de dia para dia, a nostalgia vai ocupando cada vez mais assoalhadas dentro da nossa cabeça. Suponho que seja contra isso que cada um de nós chora. O que é a lágrima, afinal, se não uma tentativa de tapar com água um buraco que se abre no nosso interior?

Newtown, Connecticut

A vergonha de viver num país assim:


A honra de ter um presidente assim: