quarta-feira, 20 de março de 2013

Ainda o pesadelo do Dia do Pai

Voltando à história do pesadelo do Dia do Pai, aquilo que me impressiona quando penso nisso é o facto de a parte mais horrorosa do sonho, aquilo que me fez acordar de susto, não foi a Teresa ter seguido a sua vida, não foi ter-se casado com outro homem, não foi sequer ter tido filhos com ele - foi quando ele e ela começaram a ter uma discussão doméstica à minha frente.

O meu inconsciente malévolo esteve particularmente bem nessa parte. Aquilo que me magoou profundamente não foi a abstracção de "um outro homem" ou de "uma outra vida", projecções relativamente comezinhas, que qualquer pessoa já fez. Foi o concreto de uma discussão doméstica, aquelas discussões totalmente estúpidas que só temos com quem amamos ou com quem odiamos, mas que significam invariavelmente que existe uma enorme percurso em conjunto.

E pensando bem, isto é de um extraordinário engenho: eu revelo a minha maior intimidade com uma pessoa não quando vou para a cama com ela mas quando discuto com ela. Sabem que mais? É absolutamente verdade. As pessoas até podem ir para a cama com semi-desconhecidos numa one night stand. O que elas nunca farão é ter discussões idiotas, parvas, irritantes, aquelas discussões que têm escritas no meio da testa muitos-anos-a-virar-frangos-em-conjunto, com quem não conhecem bem.

E é notável olhar para essas discussões não como o resultado de anos e anos de desgaste de uma relação, mas como manifestações de amor. Quão twisted pode ser um pesadelo? Altamente twisted, devo dizer-vos. Eu acordei porque senti um ciúme brutal de uma discussão doméstica. Não do marido dela. Não dos filhos dela. Mas dessa profunda manifestação de intimidade que é permitirmo-nos que a tampa salte com quem vivemos há muito tempo. Foi aí que eu percebi "ela é de outro e não minha". Foi aí que eu percebi que toda a minha vida me fora roubada. E foi aí que eu acordei.

8 comentários:

  1. No fundo foi um pesadelo que quando acabou se transformou numa prenda... um gozar mais pleno do dia do pai. Curiosa reflexão sobre discussões conjugais.

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  2. Muito interessante esta reflexão: pôs-me a dar mais valor às minhas discussões conjugais que têm escrito "no meio da testa muitos-anos-a-virar-frangos-em-conjunto".

    Nisso nunca tinha pensado, mas já tinha reparado que só quem eu amo é que verdadeiramente me pode magoar. Os outros podem irritar-me, tirar-me do sério com a sua postura, prejudicar-me, mas magoar-me, cá por dentro, só alguns conseguem, não porque tenham poderes especiais, mas porque são especiais, para mim.

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  3. Pois eu passava bem sem as discussões que nao usam nem máscara nem verniz.

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  4. Sinceramente essas discussões conjugais apenas me cansam, não levam a nada e me deixam triste, mesmo sabendo que não são importantes. Tenho mesmo que ter um sonho/pesadelo desses para ver se vejo algo positivo nisso.
    Mas achei muito romântica a maneira que colocou essa questão!

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  5. Bom, o meu marido por vezes queixa-se de eu conseguir ser absolutamente horrível nas nossas discussões. Eu digo-lhe sempre que é porque temos aquela relação em que (eu acredito que) o amor supera tudo, mas ele responde-me que por esse amor eu deveria controlar melhor a (excessivamente acesa?) argumentação.
    Dois pontos de vista distintos, portanto. Mas eu sei que discuto muito mais abertamente com as pessoas que amo.
    Isabel

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  6. O João não existe! Adorei!
    Deixe-me dizer-lhe que, mais uma vez, para escrever esta linhita de texto, escrevi e apaguei, escrevi e apaguei. Porque me deixa sempre com tanto para dizer... mas as minhas palavras ficam constrangidas ao pé das suas que são de uma riqueza extraordinária.

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  7. Se é para ter pesadelos, que sejam a sério! Até porque depois acordamos.

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  8. é tão verdade!! Achei um piadão porque nunca tinha pensado numa perspectiva tao sexy da coisa (das discussões diga-se!) Espero que não se importe falei deste post no meu blog pois não queria deixar passar.
    Continuem!!

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