sexta-feira, 29 de março de 2013

As cortinas


Ah, as cortinas, há lá coisa mais bonita do que cortinas. Espantosamente, no meio de um post quilométrico da minha excelentíssima esposa, aquilo que os leitores mais retiveram foi o seguinte parêntesis:

(se o caro gajo não deixa a gaja usar cortinas, convém que os vidros sejam limpos de vez em quando) 

E então desataram a picar-me na caixa de comentários, para eu explicar o que é que queria dizer com "não a deixar usar cortinas".

Antes da explicação propriamente dita, um ponto prévio. Como em qualquer casamento feliz, quem manda cá em casa é a minha mulher, ok? Eu nunca tive a menor ilusão sobre isso, já sabia quem usava as calças quando me casei, e estou certo que é por isso que a nossa relação dura desde 1992 (a sério).  Logo, nunca levem demasiado à letra a expressão "gajo não deixa a gaja" sempre que o gajo se chamar João e a gaja se chamar Teresa. É apenas uma maneira de falar, digamos assim, um divertido joguinho de semi-submissão da minha excelentíssima esposa para disfarçar o regime sem-ditatorial doméstico a que eu voluntariamente me submeti.

Dito isto, é verdade que eu não gosto nada de cortinas e que resisto estoicamente, na medida das minhas possibilidades, à sua colocação. Por razões estéticas, sim, porque são quase todas uma pirosada. Mas sobretudo por razões filosóficas. Eu sou um adepto da transparência da vida. As cortinas servem para impedir o olhar dos outros sobre nós, e eu não tenho de viver receoso do olhar dos outros. Por isso, não gosto das cortinas pela mesma razão de que gosto de escrever sobre a minha família neste blogue: a banalidade da existência sempre me atraiu e a sua partilha é enriquecedora para os outros e para nós.

Felizmente, nós não temos vizinhos mesmo em cima dos nossos narizes, e se eu quiser dormir, tomar banho ou brincar ao médico com a minha médica, as janelas têm estores. Tudo o resto, a banalidade do dia-a-dia, cozinhar, brincar, ler, discutir, gritar, não tenho porque esconder das outras pessoas. Não o vejo, de todo, como uma invasão da minha privacidade, a não ser que começasse a receber telefonemas dos vizinhos sobre o melhor método para bater claras em castelo. Para invadir é preciso incomodar, e aquilo de que falo é apenas ver de longe sem interferir.

Mas atenção: a Teresa não é da mesma opinião, e eu percebo que 99% das pessoas também não sejam. Aliás, basta ver como a primeira coisa que a Teresa faz quando está na cozinha é baixar os estores, enquanto a primeira coisa que eu faço é levantá-los. É que ter cortinas não impede só que nos vejam cá dentro - impede também que nós vejamos lá para fora. Corta a luz e a nitidez. E eu não gosto disso.

Por outro lado, se quiserem uma explicação mas psicanalítica, diria que a minha alergia a cortinas tem a ver com o cinema e com a minha costela de voyeur, que é acentuadíssima. Afinal, com cortinas corridas, este filme não poderia existir:


E há em mim muito de Jimmy Stewart, porque eu sou o género de gajo que, se não tivesse mais nada que fazer, seria capaz de ficar de binóculos nas mãos a espiar a vizinhança e a imaginar histórias dentro da minha cabeça. Mas como, ao mesmo tempo, também tenho uma costela católica que me obriga à coerência nas minhas acções, se eu era capaz de espreitar pelas janelas dos outros então também tenho de deixar que os outros espreitem pelas minhas.

Mas atenção. Eu não odeio todas as cortinas. Há umas que adoro de morrer, e que não me importava nada de ter em casa, como já perceberam. Sim, estas, mesmo aqui em baixo, são definitivamente as minhas cortinas favoritas. E porquê? Porque se abrem, claro:


E para o fim fica a pergunta do milhão de dólares: porque raio existem cortinas numa sala de cinema se atrás delas o que existe é um ecrã branco? Será porque nada é mais mágico do que uma cortina que se abre? Sim, é só mesmo dessas que eu gosto: as inúteis.

13 comentários:

  1. Engraçado isso das cortinas. Vivo numa avenida que tem os prédios uns a frente dos outros, e meu marido sempre ficou escandalizado de eu deixar as cortinas abertas... É que como gosto de luz e de ver o movimento, aquela parte da privacidade sempre me passou ao lado. Pouco me importa que alguém observe nosso cotidiano.Se tiver tempo e não morrer de tédio é meu convidado! Quero lá eu saber, estou na minha casa, estou à vontade.A cortina, para mim, só serve mesmo é para filtrar o sol em dias muito quentes e mais nada. O resto é o trabalho de lavá-la.
    Amei o texto e a frase sobre falar da sua vida, justificando asim: ¨ a banalidade da existência sempre me atraiu e a sua partilha é enriquecedora para os outros e para nós¨ foi uma frase que resumiu tanto o que sinto e nunca consegui colocar em palavras.Assim obrigada!

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  2. "eu sou o género de gajo que, se não tivesse mais nada que fazer, seria capaz de ficar de binóculos nas mãos a espiar a vizinhança e a imaginar histórias dentro da minha cabeça. Mas como, ao mesmo tempo, também tenho uma costela católica que me obriga à coerência nas minhas acções, se eu era capaz de espreitar pelas janelas dos outros então também tenho de deixar que os outros espreitem pelas minhas"

    O facto de haver gajos destes faz sobressair a costela católica de recato e é por isso que tenho cortinas em casa!!! ;)
    Também gosto de luz e ver lá para fora, por isso é que elas fecham e abrem.
    Os meus pais tinham uns vizinhos que não tinham qualquer pudor e sem cortinhas e com luz acesa, saíam do banho e aos 12 anos tive aulas de anatomia grátis...

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  3. O JMT está bom para a Holanda e a Bélgica (Flandres, mais concretamente), por aqui ninguém corre as cortinas! Podemos estar a passear na rua e basta olhar para o lado que podemos perfeitamente ver que programa é que as pessoas estão a ver na televisão :P

    Abraço,

    LMS

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  4. E vivam as janelas sem cortinas! Curiosamente, cá em casa é o gajo que anda sempre a falar em pôr cortinas...

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  5. Eu gosto de cortinas! Acho que trazem conforto e como se podem abrir e fechar...não vale a pena discutir....um abre-as e o outro fecha-as..:)))

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  6. Essa foto amarela é um exagero! Isso não são cortinas! São reposteiros!!!

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  7. Cresci numa casa sem cortinas, o meu pai achava que cortinas eram para os saloios. Eu ñ acho o mesmo. Isso aí em cima é foleirada pura. Tu precisas é de persianas, cortinados, coisas com bom gosto (que me parece que a Teresa tem!).

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  8. Realmente, esqueci de comentar!A sua visão de cortinados é do pior...Esse exemplo que utilizou é horripilante, mas há sim senhor cortinados bonitos. Assim, caso ceda e decida usar cortinados, deixa que seja a Teresa a escolher, ok?rsrsrsrs!

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  9. Interessante: este blog é, no fundo, como espreitar pelas janelas de vossa casa - sem cortinas! :)

    (eu, pelo contrário, não me consigo desfazer da mania das cortinas...)

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  10. Quanto ao facto de que em qualquer relação feliz a mulher é que verdadeiramente manda em casa, cada vez mais apercebo-me que isso é verdade e se antes os homens eram manipulados e ludibriados pelas suas supostas submissas mulheres para pensarem que eram eles que mandavam e decidiam, hoje isso já não acontece e a mulher põe e dispõe das questões domésticas e familiares às claras. Mas também cada vez mais me convenço que é prático para o homem que assim aconteça: quando entram em casa desligam o cérebro e...ela que pense. É vê-los a gritarem perguntas para as mulheres a cada 30 segundo sobre decisões banais que poderiam perfeitamente fazer sozinhos se ao menos...pensassem. E isso também custa...ufa!
    Mas admito que nós também não somos fáceis porque se estão sempre a perguntar é porque não querem pensar e tomar decisões sozinhos sobre as questões do quotidiano, mas se fazem asneira porque tomaram a iniciativa de resolver qualquer questão doméstica estamos prontas para disparar: “Mas porquê é que não me perguntaste?”

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  11. Já vamos na nossa terceira casa e nunca tinhamos comprado uma cortina, porque eu detesto. Mas agora como temos vizinhos mesmo a entrar-nos pela sala adentro colocámos umas lisas brancas (transparentes vá) e a primeira coisa que faço quando chego à sala é corre-las para o lado :)

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  12. Estou completamente de acordo com a sua opinião, João. Contrariando todos os restantes habitantes cá de casa eu tenho imposto, sim imposto, a minha alergia a cortinas. A minha casa não tem parede para a rua, só janelas e não há nada melhor do que estar a trabalhar num dia de sol como o de hoje e ver a luz lá fora, sentir o mexer da cidade e das pessoas. Moro em Santarém e tenho uma vista maravilhosa sobre a parte antiga da cidade e o rio e ninguém me vai convencer a tapar isso com umas cortinas inúteis e, que ainda por cima, são verdadeiros armazéns de pó e ácaros.

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  13. João, estou consigo! À excepção das da banheira (apenas para não molhar o Wc não existem cortinas na minha casa. Zero!
    E nunca me fizeram falta! A minha filha (com menos de 2 anos) delira com as cortinas das casa dos outros....:)

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