quinta-feira, 21 de março de 2013

A Palmada Contra-ataca

Deixem-me então voltar ao tema que parece até hoje ter interessado mais os leitores deste blogue: dar ou não dar palmadas nos nossos filhos? (A mais recente entrada está aqui e a partir dela é fácil chegar às outras.) Deixem-me recuperar dois comentários que achei curiosos em relação ao último post. Em primeiro lugar, um leitor anónimo que me decidiu dar pancadinhas nas costas (mas sem bater):

Espero que este texto, magistralmente escrito, tenha feito muitos pais e mães pararem para pensar e repensar na sua forma de educar. O facto de ter voltado à conversa, JMT, mostra (embora não o admita) que tem pensado sobre o assunto e isso é muito bom.

Obrigado, caro leitor anónimo, pela preocupação com a minha forma de educar. Só não percebo porque acha que eu não admito que ando a pensar nisso - então se já me fartei de escrever sobre o assunto e até já admiti que conseguir educar os filhos sem uma única palmada merece estátua numa praça de Lisboa (e das grandes). O que eu não sinto, de facto - e se calhar era a isso que se referia -, é nenhuma espécie de angústia existencial quando enfio uma nalgada num ou noutro, num qualquer momento em que entendo que passaram dos limites.

E porquê? Basicamente porque sinto que isso não é um problema na nossa família. Se percebi que fui injusto, peço-lhes desculpa. Se não tiver sido injusto, eles percebem porque é que levaram. É que, para o caso de os senhores e senhoras com discursos mais cor-de-rosa nunca terem reparado, educar é obrigar seres humanos a fazer coisas para as quais não estão naturalmente talhados. Por que raio é que eu hei-de comer com o garfo na mão esquerda e com a faca na mão direita? Por que não ao contrário? E porque é que tenho de esticar o dedo indicador para pegar na faca? Por que raio hei-de pentear-me? A quem prejudica eu andar desgrenhado? Por que raio hei-de ter de fazer a cama se me volto a deitar nela à noite? (Pergunta recorrente em todas as nossas casas, como se sabe.)

Diz-se muitas vezes que a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro, e eu simpatizo com essa ideia. Mas eu em nada prejudico a liberdade dos outros se não comer com talheres, se não me pentear ou se não fizer a cama. Ou seja, a educação, a socialização de uma criança, é uma diminuição efectiva da liberdade de um ser humano, e não é porque afecte a liberdade dos outros. Fazemo-lo em função de um bem superior? Com certeza. Mas é sempre uma forma de opressão, se quisermos ser trágicos e fundamentalistas.

Nesse sentido, eu oprimo sempre, mesmo que não bata. E aí pergunto, para esticar a corda: qual é a diferença entre opressão física e opressão psicológica? Qual é a diferença entre dar uma palmada ou impor um castigo violento? O que se prende com um segundo comentário, que achei bem curioso, e com o qual concordo em absoluto:

Verdade, verdadinha, que eu estive todo o tempo à espera que algum progenitor ou educador mais afoito viesse aqui discorrer sobre os exageros do diálogo, da negociação, do compromisso, da dialéctica e etc., que podem resultar em meninos mimados, mal agradecidos, abusadores, dissimuladores, manipuladores e outros horrores... Pois, pois, é que eu conheci alguns. Com eles tudo tinha de ser eternamente negociado! Será que no meio é que está a virtude, com pessoas bem resolvidas?

Sim, sim, sim. É isso mesmo. Não só no meio é que está a virtude, como certos castigos não-corporais podem ser muito mais violentos do que uma palmada. Imaginem que um dos meus filhos está insuportável e eu, em vez de lhe bater para conseguir baixar as suas rotações, o enfio na casa de banho e fecho a porta, proibindo-o de sair de lá. Garanto-vos, meus caros: para ele, isso seria de uma violência infinitamente maior.

Portanto, das duas, uma. Ou temos em casa uns anjinhos abertos a todas as formas de negociação - e atenção que eu tenho um filho assim: o meu Tomás é muito mais sensível a um "estou desiludido contigo" do que a uma palmada no rabo -, ou então, se nos sai uma peste reguila, eu francamente não sei como a pôr em sentido de forma mais eficaz do que uma palmada (justa, suave, formativa) na hora certa.

Lamento desapontar-vos, caros leitores. Eu não sou nenhum Ghandi da educação infantil. Não partilho certas teses da não-violência e não sinto que a palmada seja um problema cá em casa. E, portanto, continuarei alegremente a distribuí-la enquanto a considerar um meio eficaz de educação (ou de opressão necessária, se quiserem).

E, já agora, também acho contraproducente uma educação demasiado pensada, demasiado controlada, aquela coisa do "se eu acho que vou perder o controlo saio da sala e peço a alguém para me substituir". É evidente que se eu estiver quase a ir buscar a faca de cortar os bifes para transformar o meu filho em bitoque, se calhar é melhor dar um passo atrás. Mas também é educativo que os filhos nos vejam perder a paciência. Porque viver é isso. Riso e choro, gargalhadas e gritos. Quando nos preocupamos demasiado com a perfeição tenho sempre aquele medo de que os nossos filhos saiam de casa para partir os dentes na primeira desilusão com que esbarrarem na rua.

Portanto, e em resumo, cá em casa, se tiver mesmo de ser, lá continuará a saltar uma palmada de vez em quando. Mas sempre - ou quase sempre - com amor.

16 comentários:

  1. Estou para aqui, a aplaudir de pé! Acho que andar a pensar no assunto lhe fez muito bem. Nunca a palmada foi tão justa e eloquentemente bem defendida. Estou consigo! De forma incondicional, veemente e ruidosa: Ora oiça daqui os meus aplausos clap...clap ...clap!

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  2. Mais uma vez, adorei e subscrevo o seu post.
    Ainda no outro dia dei comigo a pensar, fruto desta controvérsia no seu blog, que de facto uma palmada ou um grito podem representar alguma falta de controlo dos pais mas que os nossos filhos devem ser exposto também a isso, porque faz parte da vida, para perceberem que os adultos também se descontrolam ou perdem a paciência.
    Obrigada por pôr, tão bem, em palavras os meus próprios pensamentos!

    Só uma partilha. Por causa desta discussão, no outro dia tentei uma técnica diferente com o meu filho de 3 anos, que foi, em vez de esperar pela asneira (que estava a ameaçar acontecer) para lhe dar uma palmada ou de o ameaçar com a palmada para não fazer a asneira, dei-lhe liberdade de escolha: se fizesse a asneira iria levar uma palmada na certa, por isso ele que escolhesse fazer a asneira ou não. E não é que decidiu, então, ir fazer puzzles?
    Mas este mecanismo só funciona porque ele sabe o que é levar uma palmada, não venham os puristas dizer: "'tás a ver, não é preciso bater."

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  3. É bom saber que ainda há pais para quem dar uma palmada na hora certa não traz angústias existenciais. Fui criada, criei filhos e netos com um ditado que sempre ouvi em casa... "mais vale chorares tu agora que eu mais tarde!"
    Junto-me à Maria João Resende... nos aplausos! E de pé, claro!

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  4. Curiosamente, ainda hoje perguntei ao meu filho de 3 anos se queria que eu me zangasse e o pusesse sentado com "tempo" (podia ter perguntado se queria a palmada, que ele também conhece, mas desta vez perguntei se queria o outro castigo), e ele preferiu que eu não me zangasse. Pelo menos confirmei que ele também não gosta da alternativa à palmada (às vezes, ri-se da palmada e eu obviamente não vou espancá-lo para que deixe de rir, por isso é mesmo bom que não goste de ficar sentado com tempo (temporizador da cozinha)

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  5. E assim se passou rapidamente para a glorificação da palmada!....

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  6. E o que fazer quando os nossos filhos nos castigam com uma palmada quando se zangam connosco? Apanham com mais força?
    Sinto me sempre hipócrita quando lhes ralho um "não se bate!"

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  7. Subscrevo na íntegra. Educar dá trabalho e exige muito de mim. Mas é sem dúvida a "tarefa" mais gratificante de minha Vida. E eles estão sempre em "fases". O meu está agora na "do armário". Help! :)
    Isis

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  8. Ainda não posso falar de experiência própria, mas há aqui uma série de argumentos que não percebo:

    - o oposto de dar uma palmada não tem de ser 'negociar', nem a violência psicológica. Primeiro porque tudo pode ser considerado uma negociação (até a dinâmica de bater). Segundo, porque dizer que a punição física não é um castigo adequado, não implica defender trancar uma criança num quarto escuro.

    - Quanto à educação como opressão, estou completamente em desacordo. Uma família não é uma democracia, mas também não tem de ser um regime totalitário. As regras de educação se não forem justificáveis não fazem sentido. Não estou a dizer que se tem de explicar tudo às crianças, mas não é difícil justificar porque é que se deve comer com talheres, dizer obrigado ou dar o lugar a velhinhas no metro. Já comer com o garfo na mão certa não me parece muito importante, e, muito menos, motivo para levar uma chapada. :)

    - Daí parecer-me errado ver educar como uma forma de opressão, é muito importante haver regras, e, acima disso, que eles compreendam por que devem seguir as regras, de uma maneira que seja construtiva e não dogmática. Eu não quero educar soldados que obedeçam a ordens, quero criar pessoas que pensem, questionem e percebam porque devem fazer o que os pais dizem (e, se os pais se tornarem nuns idiotas, fazer o contrário) A associação à famosa frase da liberdade dos outros não pega, porque o desafio é que ele perceba que essas regras o beneficiam a ele, nem que seja apenas com a justificação do pai é que sabe. Eu gostava de criar pessoas que pensam nas regras e as contestam se não as perceberam, não martelar dogmas à força na cabeça dos filhos.

    - Quanto ao argumento deles perceberem que a vida é feita de momentos em que se perde a paciência... Acho que eles percebem isso quando um pai é injusto (irá acontecer) ou grita sem razão (idem). Escusam é de aprender a lição que usar a força física é permitido quando se perde a paciência, os pais não são perfeitos, mas devem traçar linhas. Mais uma vez, acho que a linha de argumentação "é 8 ou 80", não é correcta.

    - Eu também não 'sinto' que a palmada tenha sido um problema na minha casa, ou em algumas outras casas, mas também sinto que, se a maior parte dos estudos (sim há excepções, mas são poucas) diz que há alternativas melhores, ainda que mais díficeis, acho que é por aí que quero ir.

    Bom debate, de qualquer maneira!

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  9. So para dizer que estudei educaçao social, pedagogia e afins, mas acima de tudo sou mae e sei o quanto um palmada de amor é um acto normal numa familia que cresce e vive sem muros, sem aparencias... eu propria levei uma ou outra e fui muito feliz e hoje com os meus pais ate nos rimos sobre uma ou outra marotice que envolveu a bela da palmada!

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  10. Ola, sugiro que vejam a opiniao de um psicologo sobre palmadas em criancas pequenas.

    http://m.youtube.com/#/watch?v=uBkgbb4IFRg



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  11. Olá JTM,

    Antes de mais gostaria de dizer que pelos vistos, embora discordando um com outro, as minhas palavras continuam a fazê-lo pensar já que é a terceira vez que me cita no seu blog, duas das quais sobre o tema que agora falamos.
    Desta vez termino dizendo apenas que acho a expressão "palmada com amor" (usada por si e por outra leitora) verdadeiramente absurda e assustadora. Faz mesmo lembrar aqueles namorados e maridos que dizem às suas companheiras "bato porque te amo..." (sim, já sei que segundo as suas próprias palavras mereço agora um tau-tau por esta comparação, eu continuo a entender que não… que é só mais uma forma de agressão no contexto familiar). Quanto aos outros argumentos não vou bater na mesma tecla. Já foram todos refutados por mim e por outros leitores, só não vê quem não quer. Esperemos pelos tempos em que deixará de ser uma questão de opinião e de livre arbítrio e passará mesmo a ser um questão punível por lei.

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  12. Que tema prolífico!! Claro que a educação é sempre uma forma de opressão, se quisermos ser puristas, o que é que havia de ser? A propósito da educação demasiado controlada, não poderia estar mais de acordo. Aliás, há por aí opiniões de psicólogos (não me lembro quais...) que dizem que ambientes artificialmente pacíficos não são uma coisa positiva, precisamente porque é preciso aprender a lidar com conflitos. E de facto lembro-me, mesmo desde pequena, de achar estranhos e desconfortáveis alguns lares onde tudo era... demasiado pacífico e cor de rosa. Aliás, em quantos deles não se veio a verificar, mais tarde, que as cores eram outras. Finalmente, opiniões de psicólogos - passe a contradição de ter referido uma atrás - há-as para todos os gostos. Mas se estas são claramente importantes em situações identificadas como problemáticas para os pais, ou desconfortáveis para eles ou para os filhos, vejo com crescente irritação a dispersão de opiniões destes profissionais sobre opções que, sinceramente, só dizem respeito a cada um/cada família. Os psicólogos têm toda a liberdade de expressar as suas opiniões. E eu toda a liberdade de achar que conheço muito melhor a minha família do que eles e q que portanto estão a opinar sobre assuntos que não dominam (e como tal a transmitir opiniões desinformadas, enfim, o tipo de opiniões que dá vontade dizer - olhe, trate lá da sua família que eu trato da minha).

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  13. E muito se tem falado ( escrito ) sobre este tema.
    Bater ou não bater ??!!!
    Eu como criança um dia que fui ( e ainda sou :) ) tive ao longo da minha educação as 2 realidades, a palmada e o castigo. E devo dizer que apesar de não gostar de nenhuma por razões óbvias, preferia 1000 vezes levar uma palmada, pois esta tem somente a dor do momento, ( a humilhação por assim dizer ) , e o castigo é mais a nível psicológico logo a meu ver é mais intenso. E quando falamos em palmadas, há que convir meus amigos que falamos nisso mesmo, numa palmada e não em espancar um filho.
    Sou mãe de 2 e admito que já usei ambas as situações e ainda mais, uso a tecnica do 123 que com o meu filho de 5 anos funciona na perfeição, exactamante como disse um leitor acima, porque os meus filhos conhecem ambas as realidades e não gostam de nenhuma.
    E com isso acabo dizendo que não condeno os meus pais por me terem dado uma palmada na hora certa ou ter sofrido algum castigo, se o fizeram foi porque o mereci e nunca de forma injusta. E acho e continuo a achar que eles foram e são os melhores pais do mundo. Por isso se achar que o meu filho merece um castigo ou uma palmada, faço-o sem sequer duvidar do meu amor por eles e do deles por mim.

    E esta é a minha opinião, e vale o que vale.
    Muitos podem discordar e outros tantos concordar.

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