segunda-feira, 3 de junho de 2013

História de um resgate

José Carlos Fernandes

Eis o meu texto de ontem na revista do CM:

A minha casa está como os mercados: demasiado exposta a flutuações. Consoante o estado de espírito de cada membro e as variações de confiança entre uns e outros, assim se vai alterando a dinâmica familiar. Cabe aos pais o papel de reguladores caseiros, tentando gerir as interacções entre os vários players, com o objectivo de evitar um crash em matérias sentimentais ou fases de grandes depressões de qualquer um dos quatro activos mais frágeis, que possam em última análise afundar a bolsa doméstica.

Aquilo que tenho em casa mais próximo de um swap de alto risco é o Gui. O Gui é um tipo castiço, que quando é apanhado bem-disposto promete sempre altas taxas de juro em termos de divertimento. Mas a sua instabilidade é grande, e de repente vai-se a ver e estamos com um problema tóxico nas mãos. A velocidade a que ele consegue passar do choro ao riso é tão grande que cheguei a inventar uma nova palavra – o chorriso – para designar o seu estranho estado. E a verdade é que, apesar de já levar cinco anos de maturidade, as flutuações do seu humor nunca permitem a acalmia no coração de um corretor.

Hoje em dia, os problemas advêm sobretudo da sua falta de sustentabilidade afectiva, em boa parte por os seus sentimentos ainda estarem indexados à Rita. Quando a Rita apareceu no mercado, há nove meses, o Gui teve uma notável performance, ao ponto de a nossa agência familiar lhe ter dado triplo A em matéria de solidez emocional. Mas, aos poucos, começaram a aparecer alguns sinais de que o seu rating possa ter sido mal avaliado: não tanto por causa de ciúmes jogados às claras no mercado da dívida amorosa, mas por causa de um acumular de pequenas birras, mal negociadas debaixo da mesa e sempre à procura de transferências para paraísos sentimentais.

A mais recente prova dessa actuação desregulada ocorreu quando decidimos montar na sala um parque para a Rita, que já se consegue sentar e estava farta de viajar da cama para a cadeira e da cadeira para a cama. A Rita gostou muito do seu novo parque, mas o Gui tratou logo de lhe fazer uma OPA hostil. Tirou os sapatos, saltou lá para dentro e decidiu armar-se em défice português: demasiado grande para estar ali, mas muito difícil de remover. Não fosse os reguladores terem ameaçado aplicar-lhe uma boa dose de austeridade no sítio onde as costas acabam, e por esta altura o Gui ainda lá estava.

8 comentários:

  1. Respostas
    1. Este/a anónimo/a expressou a minha opinião de uma forma rápida e eficiente! Este texto é mesmo genial, do princípio ao fim!

      Eliminar
  2. A primeira vez que comecei a ler um texto com termos de economia e não desisti ao fim de um parágrafo.

    ResponderEliminar
  3. Não existe um boneco para fazer uma vénia ? Está fantástico João! Se me permites um conselho e meter essa economia num paraíso (fiscal ou não, lol) mas já sabes, nada de fotos e/ou comentários, que aparecem logo os tipos do rating que só sabem a técnica do "bota-a-baixo".

    Fantástico !

    OBS: Lembrei-me agora que se chegasses a vias de facto com o Activo Gui, depois serias um autêntico PR Portugês.....

    "Não digas que não avisei"

    ahahahahah

    ResponderEliminar
  4. Essa história do Gui e da Rita, faz-me lembrar exactamente o meu João, também de 5 anos, e a minha Catarina, de 5 meses.

    ResponderEliminar
  5. GE-NI-AL!!!!! Triplo A. Ou seja AAA.

    ResponderEliminar
  6. Cada vez gosto mais de como escreve! Genial, mesmo.

    ResponderEliminar