segunda-feira, 15 de julho de 2013

Com uma perna às costas

Eis o meu texto de ontem para a revista do CM:

As capacidades do ser humano para aguentar, perseverar e adaptar-se são, de facto, extraordinárias. Quando comecei a ser pai, a grande pancada físico-psicológica ocorreu do primeiro para o segundo filho. O primeiro leva-nos uma grande fatia do nosso tempo, como é óbvio, mas foi com o segundo que tive subitamente o negro presságio de que não iria sobrar nada para mim. O Tomás nasceu e poucas semanas depois eu já andava aos caídos, sentindo que se tinha definitivamente acabado aquela vida que antes tinha e tanto apreciava. Foi um período realmente complicado.

Passaram seis anos e no último fim-de-semana despachei a filha nº1 e o filho nº2 para o Alentejo, para aproveitarem estes maravilhosos dias de Verão na quinta dos avós. Resultado: estou em casa com 50% dos filhos. São dois, como quando nasceu o Tomás, e até são a parte mais trabalhosa, porque mais bebé, da minha prole. Mas sabem o que é que está a acontecer? Parece que estou de férias. A sério. Curiosamente, até tenho tido uns dias profissionalmente tramados, com preocupações no trabalho e correrias várias, mas a minha cabeça está muito mais levezinha, apesar de continuar a ter de tomar conta de uma menina de 10 meses e de um menino de cinco anos.

Ou seja, os mesmos dois filhos (enfim, eram outros, mas eram dois na mesma) que há seis anos pareciam ser um peso insuportável em cima dos meus ombros, hoje gerem-se e cuidam-se cá em casa como se estivéssemos a mastigar pastilha elástica. Esta forma como tudo realmente muda quando alteramos a perspectiva, como nos vamos moldando à nossa vida à medida que o tempo passa, é um grande mistério, mas não tenho dúvidas de que seja o maior poder de entre todos os poderes dos seres humanos, uma coisa mesmo à Super-Homem: nada bate a nossa incrível e extraordinária adaptabilidade às circunstâncias que nos rodeiam.

Quando pressionados, chegamos a sítios que nunca imaginaríamos possíveis, vamos buscar forças e resiliência a lugares que pensávamos vazios, e depois, quando o elástico que se ia partir afinal não se parte e volta à posição inicial, tudo aquilo que anos atrás nos pesava torna-se subitamente leve. É assim, segundo leio, nos tremendos esforços exigidos pelo desporto de alta competição. Mas também é assim na nossa vida – que, bem vistas as coisas, é a mais alta competição que todos nós temos de enfrentar.



Ilustração de José Carlos Fernandes

6 comentários:

  1. Não podia estar mais de acordo.

    Muito bem dito

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  2. Ainda bem que temos essa capacidade de adaptação... é mesmo o que nos vale!

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  3. É verdade. Eu, por exemplo, quando tinha apenas um filho queixava-me imenso porque ele acordava todos os dias às 6H00 da manhã. Quando o segundo veio e passou dois anos, sim dois anos!, a acordar 5 e 6 vezes por noite pensei que o outro era um santo. E agora que este mais novo também começou a acordar apenas às 06h00 estou feliz da vida....

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  4. Uma descrição maravilhosa e… a ilustração, para não variar, adorei!!!!
    Qual o significado do 293?

    Boa semana!

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  5. Gosto particularmente dos pelos nos sovacos!

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