segunda-feira, 8 de julho de 2013

A pouco sensibilidade dos meus pequenos filhos para a arte contemporânea

Às vezes os filhos saem aos pais - e isso não é bom. Eu tenho muitas dificuldades com alguma arte contemporânea, sobretudo aquela que extrema de tal forma a sua dimensão conceptual que no final nada resta senão uma ideia obscura, desligada de qualquer técnica ou de um trabalho visível sobre os materiais. Não gosto nada da sensação de estar diante de uma obra que é absolutamente opaca se não for acompanhada da explicação do seu autor ou do curador da exposição. Afinal, interpretarmos aquilo que vemos, lemos ou ouvimos é pelo menos metade da experiência cultural, e se à partida estou impedido de o fazer devido à impenetrabilidade da banalidade (chamemos-lhe assim), a minha reacção imediata é de repúdio. Sinto-me com frequência a um passo da fraude; parece-me uma eterna repetição do urinol do Duchamp - é um gesto que já foi feito, era giro em 1917, e tal, agora dá para seguir em frente?

Ora, ainda menos sensíveis do que o pai às subtilezas de certa arte contemporânea, o Tomás e o Gui deram-me cabo do miolo na exposição sobre o Minimalismo patente no Museu Berardo, que fomos visitar no domingo à tarde. Como se já não bastassem os comentários depreciativos, feitos muitas vezes aos berros, sobre a qualidade do material exposto ("arte? isto são vidros partidos, isto não é arte nenhuma!"), às tantas os miúdos lembraram-se de trepar para cima de uma obra que valia sei lá quantos milhares de euros, causando grande horror em dois vigilantes e uma vergonha do tamanho do CCB aos seus progenitores:

A obra em questão era esta:


Eu sei, eu sei. Parecem dois bocados de madeira. E são dois bocados de madeira. Mas é madeira artística, assinada por Carl Andre, herdeiro do movimento minimalista americano dos anos 60, e que convém não espezinhar com sapatilhas.


Claro que isto vem com um problema acrescido: como explicar aos miúdos que aqueles dois bocados de madeira não são apenas bocados de madeira? Faltou-me o apoio do Carl Andre ou do próprio Joe Berardo. Não é fácil. Posso tentar explicar que os dois barrotes são uma espécie de rosa dos ventos, e que aquele que está deitado aponta mesmo para sul, como o nome indica, e que portanto a peça só faz sentido quando inserida num espaço arquitectónico. Mas... continua a não ser fácil.

Por um lado, eu e a Teresa sentimo-nos na obrigação de os corrigir de imediato e de os ensinar a comportarem-se em museus. Por outro, convém não descartar a sabedoria da história do rei vai nu, com a verdade a sair da boca (ou, neste caso, das sapatilhas) das criancinhas...

6 comentários:

  1. No fim do post está a verdade, pela "boca das criancinhas"...

    ResponderEliminar
  2. Hahahaha! Pois é.... A minha filha de três anos e meio disse alto e bom som que a Sra. Schulze (é a directora do infantário) é GORDA!!!!! E o que é que eu faco, além de me envergonhar? É que o facto é que a Sra. Schulze é mesmo gorda. Portanto, se eu disser à minha filha para nao dizer isso, ela pergunta: Porquê? E se eu digo "porque isso nao se diz" ela responde "mas ela é gorda"....

    ResponderEliminar
  3. Chamem-me insensível, mas também não vejo nada de artístico na coisa.

    Quando vou a Serralves (amor a quanto obrigas), imagino sempre que o "artista" deve estar escondido a rir-se às gargalhadas dos eruditos que tentam interpretar a obra.

    São gostos.

    ResponderEliminar
  4. Ahahahahahah! Muito bom… estou a imaginar a cena!

    Fez-me lembrar no Verão passado, fui visitar o museu do Bordalo Pinheiro, às Caldas.
    Não havia ninguém apenas eu, o meu marido e o vigilante atrás muito atento.
    A certa altura, reparei que existiam peças para serem tocadas, para as visitas de cegos. E claroooo, estupidamente, quis tocar numa delas.
    Bemmmm… o homem fez-me dar um salto e conseguiu corar-me. Mandou semelhante chamada de atenção…

    Se tivesse ali os meus pais sentiria-me pior. Ahahahahahahahahah!

    ResponderEliminar
  5. Há actividades educativas nos museus que são muito boas (para crianças, para adultos e famílias). Nos anos 60, esse trabalho fazia sentido e, não tendo visto a exposição, parece-me que talvez seja só entendida no seu contexto histórico e social. A arte contemporânea tem muito de questionável e, muitas vezes, os comentários do Gui e do Tomás são mesmo apropriados. Outras, nem tanto, mas as tais actividades pedagógicas servem para isso mesmo. Não se trata de suportar a obra no curador ou no artista (isso é de facto grave em arte contemporânea mas em arte conceptual e minimalista dos anos 60, nem tanto, porque estamos num contexto social, económico, político e cultural diferentes). Deixo aqui uma sugestão de actividades:
    http://www.descobrir.gulbenkian.pt/

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Concordo. O programa Descobrir tem também actividades para adultos. No caso destaco a visita "Isto é Arte?" http://www.descobrir.gulbenkian.pt/index.php?article=5067&visual=2&area=40
      Ana A.

      Eliminar