segunda-feira, 8 de julho de 2013

Um homem chamado cavalo

Ilustração de José Carlos Fernandes

Eis a minha crónica de ontem na revista do CM:

O título desta crónica é retirado de um western tardio de 1970, que muito me marcou quando o vi na televisão, ainda criança. ‘Um Homem Chamado Cavalo’ conta a história de um aristocrata inglês que na primeira metade do século XIX é feito prisioneiro pelos índios Sioux. No início, ele é tratado como escravo e animal de carga, mas aos poucos vai subindo na hierarquia da tribo, até se transformar num guerreiro respeitado por todos e ser rebaptizado como Cavalo. Neste momento, estou a passar por algo semelhante cá em casa. Também eu fui, de certa forma, raptado por uma (mini) selvagem, embora com a diferença – diria significativa – de que me encontro apenas na fase de animal de carga, e duvido que vá algum dia ascender a guerreiro respeitado.

A responsável pelo meu rapto é a Rita, uma ‘papoose’ com incríveis poderes de persuasão, que não precisa de usar nem flechas nem ‘tomahawks’ para me pôr na linha. Está certo que a Rita não me chama Cavalo, até porque aos 10 meses de vida ainda não aprendeu a falar, mas não tenho a menor dúvida de que me trata como um. E atenção: a frase anterior é para ser entendida no sentido literal. Ou seja, a Rita não me trata metaforicamente como um cavalo – ele acha que eu sou mesmo um cavalo. O cavalo dela, para ser mais preciso.

Ela olha-me todos os dias como se eu fosse a sua montada, e o único interesse que manifesta pela minha pessoa deve-se ao facto de eu lhe parecer o ser vivo ideal para a transportar do ponto A para o ponto B. É certo que ela não controla, em geral, a direcção das minhas deslocações pela casa ou pela rua. Mas isso também não lhe interessa. Ela limita-se a apreciar qualquer passeio que a liberte da força da gravidade que insiste em prendê-la ao chão. E para isso eu sirvo perfeitamente.

De resto, quaisquer gestos de afeição em relação à minha pessoa são semelhantes às palmadas que os toureiros dão aos cavalos depois de levarem umas cornadas. A instrumentalização é total. Se eu estiver de pé e a Rita sentada, os bracinhos começam de imediato a badalar, como se fossem um assobio: “Bichinho, bichinho, anda cá!” E eu vou, claro. E quando, cansado, me sento com ela ao colo? Ui, ui. Aí levo logo com as suas esporas nos meus ouvidos: “Mexe-te, bichinho, mexe-te.” E eu mexo, claro. É como vos digo. Sou um homem chamado cavalo, circulando a trote entre a sala e a cozinha.

3 comentários:

  1. É melhor não ir ao IKEA antes que se transforme em almôndegas:)
    Ângela

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  2. Bonita imagem!
    Mas é mesmo impressionante como eles, mesmo bebés, têm um sensor de movimento afinadíssimo... é só abrandar, que começa a soar o alarme! também tive disso cá em casa...

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