quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Sobre a hipersexualização das crianças

O Público traz hoje uma notícia interessantíssima sobre a tentativa de interditar em França os concursos de beleza para miúdas com menos de 16 anos. A medida já foi aprovada pelo Senado francês e terá agora de ser votada favoravelmente pelos deputados da Assembleia Nacional para entrar em vigor. A iniciativa é de uma antiga ministra e actual senadora, Chantal Jouanno, que tem vindo a levantar a questão da “hipersexualização” das crianças, sobretudo depois da enorme polémica envolvendo a jovem francesa Thylane Lena-Rose Blondeau e a sua produção fotográfica para a Vogue de Dezembro 2010/Janeiro 2011.

Sendo eu um liberal, considero que todas as interdições devem ser profundamente ponderadas, até porque está aqui em causa uma limitação à liberdade dos pais, e eu desconfio sempre que um qualquer Estado nos quer ensinar como nos devemos comportar com os nossos filhos. Mas neste caso, estou tentado em concordar com a medida de Jouanno. Felizmente, em Portugal não existe aquela tradição americana (e, pelos vistos, francesa) dos concursos de beleza infantil - os child beauty pageants -, que mais parecem inacreditáveis freak shows para polir o ego dos paizinhos de meninas loiras e de olhos azuis. Mas a questão da hipersexualização das crianças é uma realidade incómoda, e o exemplo da produção de Thylane Blondeau nas páginas interiores da Vogue, feita quando ela tinha nove anos, é um bom exemplo. Isto, mesmo para um liberal, é ir além dos limites do bom gosto:





Claro que eu odeio fundamentalismos nesta matéria, e há um politicamente correcto mais ou menos obsessivo, muitas vezes alimentado pelos casos de pedofilia, que a única coisa que serve é para escamotear a complexíssima questão da sexualidade no fim da infância e na entrada da adolescência. O tema é, aliás, tão sensível, que é quase impossível debatê-lo no espaço público sem se ser acusado disto ou daquilo. O caso da jovem Thylane Blondeau é particularmente interessante, porque é como se a tal hipersexualização não lhe pudesse ser arrancada da pele, mesmo quando está apenas a olhar para a câmara, como nesta foto (ainda que a posição daquele ombro não seja propriamente inocente por parte do fotógrafo):


Mas isto é conversa para outra altura. O que interessa aqui é que, complexidades etário-sexuais à parte, há códigos de imagem na moda que estão bem estabelecidos, e objectos que por si só estão hipersexualizados - e que por isso não faz qualquer sentido serem usados por uma criança em sessões fotográficas: lençóis com peles de leopardo, vestidos dourados com decotes intermináveis, sapatos com saltos agulha, baton vermelho-sangue. Sim, esta foi uma produção de muito mau gosto da Vogue. E no entanto, bastava a revista ter feito no interior aquilo que fez nesta capa:


Isto é uma criança a fazer de criança. Aquilo lá em cima é uma criança a fazer de sex symbol para adultos. Tal como pô-la em cima de um palco a competir com uma dúzia de meninas pelo troféu de A Mais Bonita é uma transferência das categorias estéticas dos pais para cima de miúdos que se estão naturalmente nas tintas para tudo aquilo se não forem espicaçados pelos progenitores. Portanto, proíba-se. As crianças têm o direito de ser apenas crianças.

15 comentários:

  1. Muito interessante este seu artigo! Só conheci as fotos depois de instalada a polémica e confesso que não percebi a razão das criticas pois eu apenas vi uma produção cara e mais sofisticada da eterna brincadeira das meninas: brincar às mamãs. Atendendo a que o público alvo daquela revista é feminino não as observei com pendor sexual. Isto não significa que não concorde com a sua opinião sobre a hipersexualização das crianças e choca-me que esta seja normalmente apoiada pelos respectivos progenitores. Gostei!

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  2. Sim proíba-se isso. Este estilo de produções são doentias, é óbvio que há meninas com 12 e 14 anos com corpo de adulta e as coisas aí tornam-se mais complicadas. Proíba-se também aqueles concursos de beleza medonhos dos E.U.A. que fazem com que aquelas crianças achem que realmente o que interessa é a beleza, que alimentam o ego doentio daquelas mães frustradas.

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  3. A este propósito, recomendaria o filme "Little Miss Sunshine". JCB

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    1. Esse filme é maravilhoso. Lembrei-me, também, ao ler o post.

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  4. Concordo plenamente, porque há pais absolutamente com as prioridades e valores trocados.
    A uma escala totalmente diferente, conto um episódio que me aconteceu. Uma marca de roupa de crianças portuguesa estava a fazer um casting para escolher miúdos até aos 4 anos para fotografar para o seu catálogo. O casting foi lançado no facebook, pelo que queriam miúdos normais, não os miúdos de agências.
    Eu, mais por graça do que outra coisa, decidi inscrever o meu filho mais velho, de 3 anos. Foi quando me apercebi que há mães profissionais do "agenciamento" infantil. Fiquei chocada, horrorizada, as miúdas a treinar poses a pedido das mães e estas a incentivá-las imenso para fazerem assim e assado, com cabelos mais do que tratados no cabeleireiro, enfim... A permitirem que os miúdos faltem à escola para fazer sessões fotográficas, ou desfiles...
    O meu filho acabou por não ser seleccionado, mas acabei por ficar aliviada, porque achei que aquele ambiente - competitivo, até - provocado por aquelas mães (não pela produção) não era muito saudável.

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  5. Também eu quando olho para as fotos da Vogue só consigo ver uma miúda a vestir as roupas da mãe. Será por ser mulher?

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  6. Concordo ctg :)
    Em vezes de fazerem para os filhos façam concursos de Beleza para Mães :)

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  7. Eu sou mulher e vejo mais do que uma menina a vestir as roupas da mãe. Muito mais. Há uma insinuação na pose e há uma seriedade que meninas de 9 anos a vestir roupas da mãe, não têm. Esta seriedade, esta pose, a maquilhagem perfeita (coisa que é impossível em meninas a brincar com as roupas da mãe) é que deixam a insinuação no ar e essa insinuação é que é (perdoem-me o excesso) nojenta.
    Agora ponham as coisas se fosse um rapaz de 9 anos: um rapaz de nove anos a brincar com as roupas do pai pode ser engraçado. Agora um rapaz de 9 anos de boxers do pai, a fazer os olhares e poses que é habitual encontrarmos em anúncios de roupa interior masculina (veja-se Beckam, Cristiano Ronaldo) é igualmente hiperssexualizado.
    As meninas não brincam assim. E os meninos também não. Proíba-se.

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  8. Concordo com tudo, mas em relação a isto: "desconfio sempre que um qualquer Estado nos quer ensinar como nos devemos comportar com os nossos filhos" olhe que por vezes devia ser feito muito mais... infelizmente!
    Bom texto!

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  9. Claro que sim! E se os pais das crianças não as sabem defender e proteger e deixar ser simplesmente crianças alguém tem o de fazer.

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  10. O grande problema reside no facto de as mães olharem para as filhas como a a grande oportunidade de ter/ser aquilo que sempre quiseram e nunca conseguiram: visibilidade pública, fama, dinheiro através da moda (pseudo moda neste caso).

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  11. Concordo plenamente. Não acho mal que as crianças façam anúncios, catálogos, etc. enquanto crianças e como crianças. Sei de vários casos e é até divertido. Mas transformar as crianças em adultos, vesti-las como adultos e pior que tudo dar-lhes um aspecto sensual é algo que me arrepia... não gosto mesmo de ver.

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