Fartíssimo de ter uns jantares que se resumiam a variações de "come a sopa, pá!", "não te levantas da mesa antes de acabar!" e "não, não há água enquanto não engolires dez colheres!", decidi tornar-me professor de História às refeições. Nos anos do Tomás oferecemos-lhe um livro sobre a Segunda Guerra Mundial, e agora ele é a nossa companhia diária.
E porquê começar logo com uma coisa levezinha, tipo bombardeamentos aéreos e Holocaustos? Bom, porque é preciso manter o público interessado, senhoras e senhores. E a Segunda Guerra Mundial sabe, de facto, agarrar uma audiência (além de que percebo muito mais dela do que da Guerra dos Cem Dias).
Começámos as lições com a ascensão de Hitler ao poder e a perseguição aos judeus, avançámos para a Blitzkrieg, estacionámos na evacuação de Dunquerque e já começámos a preparar a Batalha de Inglaterra. E sabem que mais? Está a funcionar maravilhosamente. Demasiado maravilhosamente, diria eu, sobretudo nos dias em que há bola e os tenho de informar que os embates entre Spitfires e Messerchmitts estão em suspenso em virtude do Benfica ir jogar a Bórdeus. Infelizmente, eles estão tão fascinados com o passado que demonstram uma certa insensibilidade ao presente.
Mas devo dizer-vos que estou mesmo espantado com o interesse deles no tema, e é extraordinário como os miúdos são uma esponja que absorve tudo. A Carolina ficou tão sólido-historicamente documentada, que no outro dia chegou indignadíssima a casa porque um miúdo lhe tinha chamado nazi na escola.
- Eu perguntei ao menino: "tu sabes o que me estás a chamar?" Tu estás a dizer que eu fui responsável pela morte de milhões de pessoas!
Uau, nada como indignação erudita. Claro que no dia seguinte estava a divagar sobre a invasão da Europa pelas Divisões Pâncreas (ela queria dizer "Divisões Panzer"). Mas passo a passo chegaremos lá. Até ao Dia D e à vitória final!
Adorei, especialmente a resposta que a Carolina deu ao colega. "Nada como indignação erudita" - é isso mesmo!
ResponderEliminarCuidado com o tipo de informação que lhes passamos (com a melhor das intenções) e que depois não têm a capacidade de a processar como esperamos. Provavelmente não foi esse o caso que conta, mas fez-me lembrar um episódio que se passou comigo há dias e com a minha filha de 4 anos e meio: querendo que ela tivesse contacto com várias referências musicais e de qualidade coloquei no meu carro o CD "O irmão do meio" de Sérgio Godinho. Foi um sucesso, principalmente as canções "O galo é dono dos ovos" e "O Coro das Velhas". Eu andava toda orgulhosa pela minha filha já cantarolar Sérgio Godinho e inclusive sempre que chegava ao carro pedia-me logo para pôr as músicas. Um dia ao ouvir "A balada da Rita", perguntou-me o significado da letra... e eu não querendo (nem podendo atendendo à idade) explicar a carga dramática da música e a metáfora que letra pretende representar disse apenas que era sobre uma menina pobre que procurava trabalho. Permaneceu calada depois de ter dito que gostava muito da canção, no entanto, quando chegámos a casa desatou a chorar (um choro aflitivo e compulsivo) e eu perplexa com aquela situação perguntei-lhe o que se passava. Disse-me, entre soluços inconsoláveis e agarrada ao meu peito, que gostava muito da canção da Rita, mas tinha muita pena dela, porque era pobrezinha... foi mesmo complicado acalmá-la. Escusado será dizer que me senti muito culpada por não ter previsto esta reacção e não ter percebido que mesmo sendo uma oportunidade de aprendizagem para ela, não era ainda o momento certo.
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