No dia 8 de
Janeiro uma criança americana de nove anos, ironicamente nascida a 11 de
Setembro de 2001, foi assassinada juntamente com cinco outras pessoas num
tiroteio em Tucson, nos Estados Unidos. Ao escutar o espantoso discurso de
Barack Obama em sua homenagem, considerado por democratas e republicanos como o
mais extraordinário desde que foi eleito presidente dos EUA, devo ter aviado
uma caixa de kleenexes inteira. A criança chamava-se Christina Taylor Green e era uma óptima aluna que tinha ido escutar a mulher que a representava no Congresso americano.
E eu senti, como qualquer pai sente, que aquela poderia ser a minha filha, que
a Christina se poderia chamar Carolina, que o puro mal por vezes desaba
barbaramente sobre nós, sem solução nem explicação.
Só que nada
disto é novo. Tudo isto eu sei desde que comecei a perceber o mundo e o
significado da palavra “morte”. E no entanto, durante muito, muito tempo, eu
brincava com os meus amigos dizendo-lhes que a vida não me comovia. É certo que
sempre fui um chorão a ver filmes, que qualquer pirosada me punha (e põe) as
bochechas húmidas, mas nunca a tristeza da morte ou os azares do amor, quando
aconteciam na vida real em vez de na tela de cinema, me conseguiam resgatar uma
lágrima.
Foi assim
durante anos e anos. Até que fui pai. E com a paternidade veio uma estranha (e
mariquinhas) tendência para projectar os meus filhos em tudo o que é tragédia
alheia: uma criança desaparece e penso no que faria se ela fosse minha, um
miúdo morre num acidente e interiorizo o luto dos seus pais. Esta projecção é
esquisita e difícil de explicar a quem não tem filhos. Se dissermos a uma
pessoa que ela não tem a mesma capacidade para sentir a morte de uma criança só
porque nunca pôs um filho no mundo, isso soa a barbaridade. Não é decente
afirmá-lo. Mas no meu caso pessoal, manda a sinceridade dizer que, de facto,
tudo mudou após o nascimento da Carolina. Antes, a morte de uma criança doía-me
na cabeça e, vá lá, no coração; agora dói-me nas entranhas, é uma dor física, como
que uma pontada vinda dos meus medos mais profundos.
Adicione-se
a isso, isto: a idade vem acrescentar lenha a esta fornalha e torna-nos
tristemente choramingas. Há aquela dor nas costas que não passa, aquela
distância que já não conseguimos percorrer sem que metade do pulmão nos salte
pela boca, aquela noitada de que só recuperamos uma semana depois, e tudo isso
acentua a consciência da nossa mortalidade e o sentimento de perda. De repente,
a torneira do saco lacrimal torna-se estranhamente lassa, como aqueles
autoclismos que não param de pingar por muito que apertemos os parafusos. Alguém
nos desaparece e é como se a própria vida se esfarelasse um pouco, um rasgão
que procuramos disfarçar mas cuja cicatriz recorda para sempre a ausência – e assim,
de dia para dia, a nostalgia vai ocupando cada vez mais assoalhadas dentro da
nossa cabeça. Suponho que seja contra isso que cada um de nós chora. O que é a
lágrima, afinal, se não uma tentativa de tapar com água um buraco que se abre
no nosso interior?
Concordo tanto com o que aqui está escrito! A partir do momento em que o nosso primeiro (e os restantes!) filho nasce, senti-mos o mundo, tudo de outra maneira. A morte e a tragédia em especial custam tanto, mesmo quando não são os nossos! Não há momento em que não oiça algo de mau e pense em como seria se fosse com a minha filha. E choro, choro muito só de pensar. E não acho que tenha a ver com a idade e velhice, porque eu cá tenho apenas 22 anos e sinto-o da mesma maneira. Obrigada pelo texto, adorei
ResponderEliminarlindo!
ResponderEliminarUm texto magnifico, e que espelha verdadeiramente o que é ser pai. E comigo também se passa assim, se antigamente me custava saber que há crianças que passam fome, que são mal-tratadas , que são abusadas, desde que fui mãe, cada vez que ouço notícias dessas fico doente, pois penso imediatamente nos meus filhos, de que por mais que tente nunca poderei protegê-los de todo o mal que há no mundo. E saber isso, apesar de ser um coisa normal, custa-me bastante. Gosto muito de vos ler.
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