Faz sentido discutir [num casamento], só não faz o sentido que aparenta fazer. As discussões carecem de objectividade sob todos os aspectos; elas são tortas, sinuosas, indirectas, mas por essas vias acabam chegando a algum lugar. Todo mundo já pôde notar que uma discussão que começa a respeito de um ponto simples e objectivo vai parar, horas depois, em velhos ressentimentos, ou mesmo se demora infinitamente em destrinçar minúcias do problema, cada um defendendo seu ponto, entrincheiradamente, enquanto a discussão, longe de se resolver, se agiganta, se complexifica, se agrava.
É claro que essas discussões (como toda a discussão, pois há sempre um imaginário em jogo, mas em nenhum lugar um imaginário mais susceptível do que no amor) são um espectáculo da erística [NA: a erística é a argumentação que, buscando unicamente a vitória num debate, abandona qualquer preocupação com a verdade], e é aí que elas se afundam indefinidamente. Mas o que está em jogo não é tanto superar o adversário que é o outro, como superar o adversário que é comum: a fadiga, o ressentimento.
O impossível da erística no casamento é que a disputa não pode ter um vencedor, nem terminar em empate, mas sim em dois vencedores. Esse impossível acontece. Portanto, faz sentido discutir, só que não o sentido que se propaga, como um vírus, na superfície das palavras – e sim um outro, subterrâneo, imaginário, um sentido não semântico, uma espécie de descarga, de (suja) limpeza. Até que, passada a fadiga, cessada a tormenta, o casal possa se olhar, nas palavras de Handke, como “duas pessoas que escaparam de uma catástrofe”.
Afinal, o seu blogue também faz serviço público!
ResponderEliminarHei-de comprar o livro deste homem. Como é que ele sabe o que se passa lá em casa?
Margarida