Este é o ano do meu quadragésimo aniversário. Daqui a sete meses dar-se-á a minha gloriosa entrada nos "entas", e dos "entas", como se costuma dizer na minha terra, geralmente já não se sai. Segundo a mais respeitável literatura, é suposto eu vir a ter uma crise da meia-idade e a pôr em causa todo o sentido da minha vida, acompanhando a invasão do cocuruto pelos cabelos brancos (que já começou) e o interesse dos médicos pela minha próstata (que ainda não começou).
Tudo isto preocupa-me num único sentido: poder não estar à
altura da situação. Num mundo onde o corpo jovem é tão cultivado e a sabedoria
dos velhos tão desprezada (reparem como já pareço um deles a falar), detestaria
não saber conviver com as minhas rugas, como aquelas estrelas que começam a
coleccionar operações plásticas por não suportarem o seu próprio reflexo. Saber
envelhecer é uma extraordinária arte, apenas suplantada pela arte de saber
morrer. E deve ser por isso que nos últimos tempos não me sai da cabeça uma
belíssima canção da Amélia Muge, construída a partir de versos de Grabato Dias,
que diz: "Estar vivo é estar à morte/ cativo de um plim da sorte."
É possível que um pessimista considere tais versos um reflexo
da tragédia que é este mundo, e viva na permanente angústia de que um dia a
sorte acabe. Mas eu, que sou mais dado a optimismos, entendo-os como uma
celebração da vida, essa graça incrível que nos foi dada (pela sorte, por Deus,
pelo que quiserem), e que exactamente por ser tão frágil e tão curta convém ser
celebrada a cada momento.
O resto do texto pode ser lido aqui. A ilustração é do José Carlos Fernandes.
Quarenta anos? Está a muito menos de metade da vida do meu pai (pai de quatro também)a quem faltam 4 anos para os noventa. Teve tanto em que pensar enquanto nos criava,que não teve tempo para pensar muito nele mesmo, nem na crise da meia-idade. Depois, na reforma, dedicou-se ao seu grande amor (a agricultura)e agora também não deve ter muito tempo para pensar nele porque há sempre mais alguma coisa para fazer no quintal dele e nos quintais de nós os quatro. É de ficar arrepiado a vê-lo a podar árvores e a guiar o tractor. Deus mo conserve por muitos e bons anos e o deixe a pensar como a mãe dele fazia no facto de que, provavelmente, Deus se teria esquecido dela e não a chamava.
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