Ilustração de José Carlos Fernandes
Na semana passada falei aqui de uma sensação nova que me assaltou a vida: a consciência de que deixei de conseguir dar resposta a todas as solicitações de quatro filhos. É verdade que se a minha excelentíssima esposa pudesse comentar este texto enquanto o escrevo (estou neste preciso momento a ouvi-la dentro da minha cabeça), diria que não há aí nada de novo, já que foi sempre ela quem teve de se doutorar em contorcionismo para conseguir estar em todo o lado ao mesmo tempo. Mas do meu ponto de vista há algo de novo, sim.
É certo que eu, ao contrário dela, nunca fui capaz de passar semanas e semanas em ti-nó-ni pela cidade, a acorrer a todas as necessidades das crianças. A Teresa coloca para si própria exigências domésticas e parentais que eu jamais conseguirei acompanhar, e vivo bem com isso. Mas mesmo sendo mais lassos os meus critérios, e bastante mais curta a lista mental de eventos ou obrigações às quais não posso faltar, tenho de reconhecer isto: ainda assim, essa lista começa a ser muito difícil de gerir.
A principal diferença não está no facto de o nascimento da Rita ter alterado os multiplicadores, e onde estava vezes três passar a estar vezes quatro. A principal diferença está nas progressivas exigências escolares dos dois filhos mais velhos e na questão do estudo acompanhado. A Teresa também é condutora do INEM infanto-juvenil em matérias académicas, e no final de cada período é vê-la atravessar o corredor com as luzes a piscar, saltando velozmente de uma trombose ortográfica para um capotamento algébrico. Como eu não lhe consigo acompanhar o ritmo, acabo por ser acusado de ser um daqueles mirones que prefere ficar a dar palpites à beira da estrada, em vez de ajudar nas manobras de ressuscitação de certos sólidos geométricos.
Invariavelmente, acabamos a discutir sobre os benefícios de cada um velar sobre a sua própria saúde: a Teresa acha que eles ainda necessitam do nosso apoio e de uma intervenção regular, eu acho que a nossa intervenção tem de se limitar a impor regras de estudo apertadas, porque a vida é como o Alentejo – nem sempre há uma VMER à mão. São duas formas diferentes de exercer medicina. Uma mais médico de família fofinho, outra mais de gajo implacável com falsas urgências. Os pacientes gostam mais do primeiro, claro. Mas temo que só o segundo assegure a sustentabilidade do sistema de saúde caseiro.
Confesso que, apesar de a primeira "forma de exercer medicina" poder parecer mais fofinha e apetecível - e de dever ser aliás difícil de a contrariar - parece-me que a segunda prepara melhor para a vida, que isto não é só facilidades ou ajudas.
ResponderEliminarMas deve ser difícil perceber quando sair de cena... e deixá-los ganhar asas. Mas no fim , há-de ser um orgulho vê-los sair do ninho, resultado da nossa educação.
essa diferenca a meu ver faz parte, mau e quando tem de se ser pai e mae ao mesmo tempo.
ResponderEliminarEu acho que eles devem estudar sozinhos e esclarecer as dúvidas na escola. Foi assim que fizeram comigo e garanto que resultou muito bem!
ResponderEliminarA melhor coisa que os meus pais me fizeram foi, no 5.º ano (se bem que antes também nunca estudaram comigo...), dizerem: "enquanto tiveres boas notas, estás à vontade: ninguém te manda estudar nem ninguém te chateia para ires fazer os trabalhos de casa. Fazes ao teu ritmo. Mas se começares a ter más notas... mudamos de estratégia". Sempre arquei com essa responsabilidade e, estando agora no 12.º ano, sempre fui boa aluna :)
ResponderEliminarJá com o meu irmão não resulta tão bem... depende da personalidade da pessoa! (como, aliás, um pai de 4 filhos já sabe...)
Se sozinhos tiverem boas notas muito bem senão é melhor com explicações dos pais. Ou então podem ficar aí em casa até aos 40 porque não têm um emprego de jeito...
ResponderEliminareu mãe de 3, um no 2º ano de direito, uma no 1º ano de Farmácia, um no 3ºano do ensino básico, nunca, mas nunca acompanhei o estudo dos meus filhos. Sempre estive mais ou menos informada sobre o que eles aprendiam, mas a mensagem é "eu já fiz o 1º o 2º e o 12º", agora são vocês. Autonomia e responsabilidade máximas. E aprendam na escola que é para isso que vocês e os professores estão lá. Houve um ano de explicações, a rapariga, no 12º ano, porque precisava mesmo de recuperar a matemática (e passou de 10 para 16). Eu acho que estudar com os filhos (e salvo excepções) é mais uma necessidade dos pais, e criada pelos pais, do que dos filhos
ResponderEliminarNo 1º ciclo eu acompanho, mas só tiro dúvidas, nunca me sento ao lado a ajudar a fazer. Controlo se os trabalhos estão feitos, lembro a regra da casa: Quando vamos para a mesa a mochila está pronta para o dia seguinte.
ResponderEliminarAchei a adaptação ao 2º ciclo muito, muito difícil. Aí acompanhei e ajudei. No 6º ano menos.
A partir do 7º ano é preciso diminuir o apoio e centrá-lo nos métodos de trabalho e não na matéria. Eles precisam de voar sozinhos sabendo que têm a quem recorrer, ainda assim.
O 8º e 9º anos são difíceis, pelo volume de trabalho e pela pressão dos exames nacionais, mas o apoio não pode passar pelo estudo propriamente dito, mas mais por uma estrutura de apoio que os liberte para se concentrarem no estudo. Penso que um aluno/filho que seja muito levado ao colo a este nível terá dificuldade em manter sozinho a motivação para trabalhar o suficiente mais tarde.
Eles precisam de sentir os seus bons resultados para perceber quanto o seu trabalho vale a pena.