quarta-feira, 10 de abril de 2013

Calem-me a criancinha que não consigo mastigar

E já agora, na sequência do post anterior, lembrei-me de um texto que escrevi já lá vão seis anos, a 8 de Maio de 2007, no Diário de Notícias, depois de escutar Miguel Sousa Tavares na televisão a dizer barbaridades sobre a então nova lei do tabaco. Esse texto - "Calem-me a criancinha que não consigo mastigar" - tornou-se a coisa mais popular que alguma vez escrevi na vida: recebi centenas e centenas de mails e ele andou a rodar pela internet durante mais de um ano.

Tem algumas referências de época, nomeadamente ao caso Maddie (na altura ainda havia esperança da criança aparecer - hoje aquela última frase é um bocado de mau gosto), e ao facto de então só ter ainda dois filhos (já nem consigo imaginar como era). Mas o tema desse texto acaba por ser o mesmo da exposição da Joana Vasconcelos: a pouca consideração que tantas vezes existe por quem põe crianças no mundo. Aqui fica ele:

Estava Miguel Sousa Tavares na TVI a comentar a nova Lei do Tabaco quando da sua boca saltou esta pérola: o fumo nos restaurantes, que o Governo quer limitar, incomoda muitíssimo menos do que o barulho das crianças - e a estas não há quem lhes corte o pio. Que bela comparação. Afinal, o que é uma nuvenzinha de nicotina ao pé de um miúdo de goela aberta? Vai daí, para justificar a fineza do seu raciocínio, Sousa Tavares avançou para uma confissão pessoal: "Tive a sorte de os meus pais só me levarem a um restaurante quando tinha 13 anos." Há umas décadas, era mais ou menos a idade em que o pai levava o menino ao prostíbulo para perder a virgindade. O Miguel teve uma educação moderna - aos 13 anos, levaram-no pela primeira vez a comer fora.

Senti-me tocado e fiz uma revisão de vida. É que eu sou daqueles que levam os filhos aos restaurantes. Mais do que isso. Sou daquela classe que Miguel Sousa Tavares considerou a mais ameaçadora e aberrante: os que levam "até bebés de carrinho!". A minha filha de três anos já infectou estabelecimentos um pouco por todo o país, e o meu filho de 14 meses babou-se por cima de duas ou três toalhas respeitáveis. É certo que eles não pertencem à categoria CSI (Criancinhas Simplesmente Insuportáveis), já que assim de repente não me parece que tenham por hábito exibir a glote cada vez que comem fora - mas, também, quem é que acredita nas palavras de um pai? E depois, há todo aquele vasto campo de imponderáveis: antes de os termos, estamos certos de que vão ser CEE (Crianças Exemplarmente Educadas), mas depois saltam cá para fora, começam a crescer e percebemos com tristeza que vêm munidos de vontade própria, que nem sempre somos capazes de controlar.

O que fazer, então? Mantê-los fechados em casa? Acorrentá-los a uma perna do sofá? É uma hipótese, mas mesmo essa é só para quem pode. Na verdade, do alto da sua burguesia endinheirada, e sem certamente se aperceber disso, Miguel Sousa Tavares produziu o comentário mais snobe do ano. Porque, das duas uma, ou os seus pais estiveram 13 anos sem comer fora, num admirável sacrifício pelo bem-estar do próximo, ou então tinham alguém em casa ou na família para lhes tomar conta dos filhinhos quando saíam para a patuscada. E isso, caro Miguel, não é boa educação - é privilégio de classe. Muita gente leva consigo a prole para um restaurante porque, para além do desejo de estar em família, pura e simplesmente não tem ninguém que cuide dos filhos enquanto palita os dentes. Avós à mão e boas empregadas não calham a todos. A não ser que, em nome do supremo amor às boas maneiras, se faça como os paizinhos da pequena Madeleine: deixá-la em casa a dormir com os irmãos, que é para não incomodar o jantar.



13 comentários:

  1. Que engraçado, lembro-me perfeitamente de ler os dois textos e não sabia que o segundo era seu. Quanto a MST, apesar de por vezes escrever bons e esclarecidos de vez em quando dá uns fantásticos tiros nos pés e este foi um belo exemplo.

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  2. Adorei o post, ainda não o tinha lido... Sorte minha que D. Pimpolha nunca foi muito de berrar mas também quando o fazia, eu saia com ela e ia até ao carrito à espera de lhe passar a birra ou então, fazia o que todo o mundo diz que não faz, e dava-lhe uma palmadazeca no tutu para parar a birra. Já fumei e tenho filha por isso posso versar sobre as duas coisas e a mi incomoda-me muitissimo mais o fumo do cigarro e da cinza do que pimpolhos aos berros até porque , se for preciso "mando-lhes" um daqueles olhares reprovadores e os putos... ou se riem e param de chorar o que é muito mais agradavel, ou param só para não ver a minha caratonha, enquanto os senhores fumadores não se compadecem com caretas minhas e ainda me enviam mais fumaças para cima... olha se só foi ao restaurante aos 13... se calhar foi porque os pais achavam que ele não se comportaria bem ou pior, que não teriam mão nele e assim por e simplesmente desistiram de pensar em o levar... ahahah

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  3. Há sitios e sitios para levar as crianças, e concordo que há certas alturas em que é irritante ter crianças aos berros. Costumo ir aos Dias da Música no CBB que brilhantemente democratizam a música clássica às massas, pelo baixo preço que cobram nos bilhetes, fazendo com que um rol de familias vá com a criançada (seja de que idade for) para salas minusculas cheias de gente. Resultado: ao fim de 5 minutos estão fartos e a berrar! Incomodam tanto os músicos que dificulmente se concentram, como os restantes espectadores. E este cenário acontece sistematicamente...todos os anos... Não há paciência que resista!
    O que quero dizer com isto é que há programas adequados a cada faixa etária, e felizmente que em Lisboa a oferta é muita, pelo que os pais deverão adaptar-se ao crescimento dos filhos, e não os filhos serem "arrastados" para onde os pais entendem ir.

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    1. Desculpe Ana, mas o impulso em responder-lhe é maior do que a minha tentativa de ser "socialmente educado" (talvez seja a criança dentro de mim).

      Não está a Ana à espera de ir a um espectáculo "brilhantemente democratizado", com a agravante do "baixo preço que cobram nos bilhetes" e esperar assistir ao espectaculo como no Musikverein em Vienna, certamente aí poucas serão as crianças espalhadas pela plateia!

      Certamente haverá cidadãos que gostam de música clássica , mas não possuem carteira suficiente para assistir a um concerto "digno" e aproveitam a possibilidade para o fazer com preços mais acessiveis, mas lá está têm aquele "apêndice" bastante inflamado.... a que se dá o nome de Criança

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    2. Já agora, acresce ainda que nos países em que a música clássica é muito mais acessível e presente na vida das pessoas (como na citada Áustria) estas têm uma postura muito mais descontraída nas salas de espectáculos do que o nosso (por vezes) empertigado povo

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    3. Verifico que o cerne da minha questão passou despercebido: é um facto que as crianças muito pequenas não conseguem estar muito tempo concentradas e quietas...é proprio da idade e da curiosidade infantil. Deve ser da responsabilidade dos pais adequar o programa familiar à idade e capacidade de apreensão dos filhos, cujo conteúdo desperte o seu interesse. à semelhança de que também não se põem a ler o Guerra e Paz a crianças de 3 anos, certo?
      Lamento se ofendo os leitores, e autores do blog, não é essa a minha intensão, mas acho que o texto do MEC tem um fundo de razão...lá bem no fundo...

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    4. Certamente se procurar bem lá no fundo (ou algures a meio do blogue), encontrará um post em que indica que é super fácil ler artigos/livros sobre a guerra e ajuda até a coloca-los mais atentos e concentrados (http://paisdequatro.clix.pt/2013/03/segunda-guerra-mundial-ao-jantar.html).

      Entendi perfeitamente o seu comentário, que os pais deviam (e devem) tentar adaptar o programa familiar às idades,mas se não levarmos as Crianças a locais desses e der-mos o exemplo, muitas dessas crianças serão amanhã adultos que nunca aprenderam como se comportar nesses mesmos locais, logo olham para o(a) senhor(a) que está ao lado e imitam-no(a).

      Aproveito para comparar esta situação a uma igualmente "polémica" mas muito semelhante (se o João ler, gostaria de saber o que pensa disso), que é o facto de se levar, ou não, crianças pequenas à Eucaristia, pois há por aí muito Pai e Mãe, que pensa que .... "Ah e tal, eles vão andar sempre a brincar e a fazer barulho, é melhor não"!

      E só para que conste, não me sinto de forma alguma ofendido, o blogue até nem é meu, mas acho-o bastante interessante como meio de partilha de ideias e opiniões!

      Cumprimentos

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  4. Tal e qual. So ainda tenho um exemplar, vem aí o 2o a caminho, mas ja corri muitos restaurantes do país, com ou sem estrelas michelin, com o meu trambolho atrás. Tenho que admitir que quem sofre mais com a presença deles são os progenitores. Ter que entreter o trambolho enquanto se espera pela comida, tentar não redecorar o restaurante em questão quando a comida finalmente chega, tentar mante-lo sentado mais do que 5 minutos, etc. Há cerca de dois anos que não aprecio uma refeição em condições. Quando forem dois haja coragem para levar os dois ao restaurante. Mas quando não há família nem amigos próximos, e não se quer abdicar de vida social, é o preço a pagar. Por isso não tenho pena nenhuma do excelentíssimo Miguel e outros espectadores.

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  5. Então deve ser este um dos textos que a minha Santa Esposa fala, na já por si famosa troca de galhardetes entre o João e o Miguelito !

    Como fumador e bastante fumador, tenho a dizer que mesmo a mim, pasmem-se o fumo me incomoda durante o repasto, os berros das criancinhas também, mas incomodam muito mais os berros.... quanto estou numa semana de trabalho longe de casa (que na melhor das hipóteses é semana sim, semana não), mas não pelo barulho em si, mas pela saudade da minha princesa e pelo aperto no coração que essa situação transporta consigo.

    Lembro-me perfeitamente de situações em que dava um enorme jeito que a princesa tivesse já os tais 13anos, em pleno restaurante "O Alpendre" (passo a publicidade), restaurante magnifico em Arraiolos, fui com a minha prole a convite de um dos meus melhores clientes/amigos de Évora, e a princesa se havia dia que tinha de estar mal disposta foi naquele, além de chorar/choramingar/berrar/soluçar uma boa parte do jantar, ainda abrilhantou a presença com o bolsar!

    Magnifico, acabou o jantar mais cedo que o previsto!

    Aproveito para te agradecer João, pelo simples facto de existires e, mais importante que tudo, revelares ao mundo, ou vá, aos cidadãos do mundo que lêm o blog tão atentamente como lá em casa. Isto porque descobri que afinal não tenho nenhuma doença do foro psicológico ! A tua angustia enquanto os meninos eram pequeninos(leia-se de colo), o manter-se fiel enquanto se dorme (alguém tem de o fazer :P), safaste-me de uns gastos no psicólogo assim como de algumas "broncas" lá de casa, ehehehehe.

    Sobre o Miguelito, deixa-o porque o homem é do FêCêPê, mas espera afinal não, é daqueles, dos azuis com listas, mas hmmm, hoje não apetece, talvez seja daqueles que ganham muito, ou será pouco,eh pah não sei! Deixa qualquer um indeciso no seu discurso, que tenho a certeza que mesmo ele, terá certa dificuldade em saber o que diz!

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  6. Também tenho uma pimpolha de 7 anos e desde sempre nos acompanhou para qualquer restaurante a que fossemos e nunca nos envergonhou muito pelo contrário,a pesar de ser uma criança super activa sabe que existem determinados locais onde se têm de comportar de uma forma mais adequada e sempre ouvi elogios sobre ela, algo que já não se pode falar de muitos senhores adultos que mesmo em restaurantes se portam alarvemente, muito pior que muita criança, ou porque falam demasiado alto ou porque simplesmente não sabem comer a uma mesa

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  7. O MST quis dizer 113 anos. Ele nasceu velho. E não ia a restaurantes porque ia à caça e tinha que ficar a depenar perdizes e a esfolar coelhos. Coisas apropriadas a crianças com menos de 113 anos. Fica a sugestão.

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  8. Já agora, também não resisto a acrescentar: acho que até quem é pai/mãe lhe incomoda estar num restaurante com crianças aos berros. Agora daí a impedir essas pessoas de frequentar restaurantes vai um enormíssimo passo - que aliás deve ser proibido segundo a nossa legislação (espero!) No meu próprio blogue (passe a publicidade) escrevi há uns tempos um texto que se chama algo como "temos que nos aturar uns aos outros" onde me refiro a este tema comparando o incómodo que as crianças podem provocar com outros incómodos - pessoas que falam alto de mais, têm conversas desagradáveis que somos obrigados a ouvir, escarram para lenços, arrotam algo e bom som... and so on, and so on... É chato? É! É proibido? Não! É isso - temos que nos aturar uns aos outros - e adultos mal-educados não é assunto, ao contrário das crianças...

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  9. Julgo que comentários como este do MST apenas vêm confirmar aquilo que penso. A nossa sociedade actualmente não está habituada a conviver com a presença de crianças (que cada vez são mais escassas). Não é tolerante com determinados comportamentos, que são normais, principalmente em determinados contextos em que a criança está com sono, com fome ou ainda não desenvolveu a capacidade de estar parada durante muito tempo... E cada criança é uma criança com características próprias. Enquanto que algumas se entretêm bastante tempo com um livro ou um brinquedo, outras nem por isso! Mas para que os pais possam continuar a ter uma vida social, por vezes são obrigados a levar os filhos ao restaurante.

    Não é que as minhas filhas sejam umas "Criancinhas Simplesmente Insuportáveis" mas da minha experiência pessoal posso dizer que não acredito que alguém fique mais incomodado do que eu e o pai quando nestes contextos elas estão mais irrequietas. Sentimos que as outras pessoas nem sempre vêm estas situações com descontracção...

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