Ilustração de José Carlos Fernandes
Eis o meu texto na revista de hoje do CM. Talvez um pouco mais melancólico do que é habitual:
Eu e a excelentíssima esposa comemorámos recentemente o 11º aniversário de um incansável matrimónio, e decidimos que era a ocasião perfeita para mostrar às criancinhas o filme do nosso casamento. O clássico “vídeo do casamento” é aquele género de actividade com a qual se maltrata as visitas durante meia-dúzia de meses após a lua-de-mel, com as pobres vítimas obrigadas a gramar com uma hora de vestidos de cerimónia, trocas de alianças e cascatas de camarão, enquanto suspiram para a ex-noiva dois ou três educados “ai que bonita estavas”. Passados seis meses, existe o saudável hábito de arrumar o DVD numa prateleira poeirenta, permanecendo em piedosa hibernação até que um dia um qualquer arqueólogo o venha resgatar.
Desta vez, os arqueólogos fomos
nós. A Teresa guarda nas doces memórias de infância o filme do casamento dos
pais, que pelos vistos rodou em sua casa como se fosse um daqueles musicais da
Broadway que nunca saem de cena. Vai daí, prometeu mostrar aos miúdos o filme
do nosso próprio casamento precisamente 11 anos depois de ter sido filmado. Como
é óbvio, preparei-me para o pior, até porque não há guarda-roupa que resista a
exercícios de nostalgia. E, de facto, lá estava eu, muito bem escanhoado (ainda
não usava barba na altura), com um penteado ridículo, uns óculos de totó e um
casaco tão comprido que dava para toalha de mesa. Os dois rapazes ainda se
riram um bom bocado com a minha figura, até decidirem sabiamente que era muito
mais giro irem jogar computador do que ficar a ver a versão teen do pai. E
saíram da sala.
Permaneceu a Carolina, já mais dada a bodas e a romantismos,
e permaneci eu e a minha excelentíssima esposa, de boca aberta não por causa da
nossa antiga beleza, mas por causa da quantidade de gente que está naquele
vídeo e que entretanto morreu. São muitos. São demasiados. A Carolina estava
fascinada com os primos, que hoje são adolescentes e que então eram muito mais
pequenos do que ela. Mas eu e a Teresa só víamos passar à frente da câmara pessoas
que foram tão importantes na nossa vida e que já cá não estão, uma, duas, três,
cinco, algumas delas ainda relativamente jovens e que hoje são como espectros longínquos,
fantasmas de um tempo que se perdeu para sempre. “É tudo tão frágil”, disse-me
a Teresa. E é mesmo. Tanta coisa nasceu ali. E tanta coisa se perdeu
entretanto.
Não fizémos filme, apenas quisémos registar esse dia com fotos mas no outro dia, ao mostrá-lo também aos meus filhos, 11 anos depois, tal como vocês tive essa sensação... De ver pessoas que já partiram, que já não estão e que tantas saudades deixaram... Novas e menos novas... Mas que se foram...
ResponderEliminarTambém já senti isto que descreve, não no video do casamento (há quase 2 anos), mas nos videos manhosos e super divertidos das minhas festas de aniversário.
ResponderEliminarMas como diz uma amiga do coração:
"É tão bom V I V E R!"
Temos mesmo de aproveitar tudo! E zangarmo-nos e arreliarmo-nos pouco.
Numa plataforma menos romântica, apercebi-me disso mesmo ao folhear a minha velhinha agenda telefónica ainda em papel, que já deve ter mais tempo até que o vosso casamento. É muito perturbador, sobretudo verificar os que ainda seriam razoavelmente jovens e já desapareceram.
ResponderEliminarHá umas semanas aqui em casa, a propósito da doença de um familiar, fizémos a mesma reflexão. E fomos contando os que já partiram, entre avós,tios, primos e amigos próximos e novos, muito novos... Recordámos alguns diagnósticos de cancro entretanto "curados" (13 anos e 16 anos já permitem dizer curado?) que nos fizeram sentir um pouco melhor. O consolo veio quando contámos as crianças que nasceram do nosso amor e do amor de outros que estiveram connosco no dia do casamento e eram muito mais do que o número dos que já se juntaram ao Pai!
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